15.11.25

Decifrando o "Eu": A Busca Grega pela Subjetividade e a Resposta que Sempre Esteve Lá

 

Decifrando o "Eu": A Busca Grega pela Subjetividade e a Resposta que Sempre Esteve Lá

Em nossa exploração sobre a Teoria do Caos, vimos como a ciência moderna está descobrindo um universo tão complexo e interconectado que desafia nossas previsões mais sofisticadas. O Dr. Paulo Teston, num podcast, iniciou essa conversa a partir de uma pergunta, uma questão que atormentava os filósofos da Grécia Antiga: o "problema da subjetividade".

Essa não é uma pergunta apenas para cientistas ou filósofos. É uma das questões mais humanas que existem: Como eu me torno quem eu sou? O que significa me conhecer? Qual é a verdadeira arte de viver?

Os gregos não tratavam essas perguntas como meros exercícios acadêmicos. Para eles, a filosofia era uma práxis — uma prática diária, uma arte de viver que moldava o caráter e a alma. Mas, por mais profunda que fosse sua busca, ela era como tatear em um quarto escuro em busca de algo que eles sentiam que deveria estar lá, sem nunca conseguir acender a luz.

Anular Deus do conhecimento humano é andar tateando a escuridão como bêbados. —Jó 12.25. Ou como cegos tateando as paredes. —Is 59.10. E Paulo diz aos gregos em Atenas, usando a mesma metáfora da escuridão, que Deus se revela aos que o procuram, e que Ele não está longe, mas imanente. —At 17.27.

Uma Sombra da Verdade

Do ponto de vista teológico, a busca grega pela identidade e pelo significado não era um erro, mas um eco distorcido de uma verdade bíblica fundamental. A razão pela qual os seres humanos anseiam por autoconhecimento e propósito é que fomos projetados para isso. O livro de Gênesis nos diz que o homem foi criado "à imagem de Deus" (Gênesis 1:27).

Essa doutrina, conhecida como Imago Dei, é a chave. Ser feito à imagem de Deus significa que recebemos, como um reflexo, atributos que pertencem originalmente a Ele: personalidade, consciência, racionalidade e a capacidade de auto-reflexão. O próprio ato de perguntar "Quem sou eu?" é uma confirmação de que não somos acidentes cósmicos ou meros agrupamentos de átomos. Somos pessoas, e nossa busca por identidade é, em sua essência, a busca de uma criatura pelo significado para o qual foi criada.

Conhecer a Si Mesmo Conhecendo a Deus

Os gregos acreditavam que o "conhecimento de si mesmo" era o auge da sabedoria. A famosa inscrição no Templo de Apolo em Delfos dizia: "Conhece-te a ti mesmo". No entanto, eles tentavam fazer isso olhando para dentro, como se o "eu" fosse uma entidade autônoma e autoexplicativa.

Aqui, a Escritura oferece uma correção. Como o teólogo João Calvino argumentou, o conhecimento de si e o conhecimento de Deus são inseparáveis. Não podemos verdadeiramente nos conhecer sem primeiro conhecer a Deus. Como posso entender o que significa ser uma criatura se não conheço o Criador? Como posso entender minhas falhas e anseios se não conheço o padrão de perfeição e santidade de Deus?

O verdadeiro conhecimento de si mesmo não começa com uma introspecção isolada, mas com a revelação de Quem nos criou. É ao olhar para Deus que finalmente entendemos nosso próprio reflexo.

A Verdadeira "Arte de Viver"

Da mesma forma, a "arte de viver" que os filósofos buscavam através de técnicas, exercícios e disciplinas rigorosas era uma tentativa de construir, com esforço humano, uma vida virtuosa e com propósito. Eles buscavam a sabedoria para a vida. Que em parte é válido.

A resposta bíblica, no entanto, não é uma técnica a ser dominada, mas uma Pessoa a ser seguida, uma Revelação da Verdade. A verdadeira "arte de viver" não é um sistema autônomo de ética, mas uma vida de obediência e comunhão com Jesus Cristo, o Logos Eterno. Ele não apenas nos ensina o caminho; Ele é o Caminho (João 14:6). Viver bem não é o resultado de nossa própria força e sabedoria, mas o fruto de uma vida entregue e transformada por Ele.

Da Incerteza à Certeza

Assim como a aparente aleatoriedade do universo, que discutimos anteriormente, encontra sua ordem na soberania de Deus, a busca humana pela identidade encontra sua resposta Nele. O "problema da subjetividade" não é um quebra-cabeça para ser resolvido em um vácuo.

Os gregos estavam fazendo as perguntas certas. E fizeram as perguntas certas por causa da Imagem de Deus em sua natureza, mesmo caída.  Eles sentiram o eco da sua própria natureza. Mas a resposta para a pergunta "Como me torno quem eu sou?" não está em uma fórmula filosófica ou em uma técnica de autodisciplina.

A resposta é encontrada ao reconhecer Quem nos fez e para Quem fomos feitos. A busca por si mesmo, em última análise, termina não quando olhamos mais fundo para dentro, mas quando olhamos para cima, para o Criador que nos definiu desde o princípio.

A Busca Humana como um "Eco Distorcido"

A ideia de que a busca filosófica por significado é um "eco distorcido" da verdade sobre Deus é o cerne do argumento de Paulo em Romanos 1.

·         Passagem Chave: Romanos 1:19-21, 25

"Pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis; porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e os seus corações insensatos se obscureceram. [...] Eles trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram a coisas e seres criados, em lugar do Criador, que é bendito para sempre. Amém."

·         Justificativa: Paulo argumenta que todos os seres humanos têm um conhecimento inato e inescapável de Deus, revelado na própria criação (a "verdade" que ecoa). No entanto, em sua rebelião/queda, a humanidade suprime essa verdade. A busca filosófica grega é uma manifestação sofisticada desse processo: é uma busca genuína por verdade, beleza e sentido (o "eco"), mas é "distorcida" porque se recusa a dar o crédito ao Criador, buscando as respostas na criatura, na razão humana ou em princípios impessoais. Eles se tornaram "fúteis em seus pensamentos".

A Capacidade de Auto-reflexão (Imagem de Deus)

Embora Gênesis seja o texto fundamental para a doutrina da Imagem de Deus (Imago Dei), Romanos lida extensivamente com as consequências dessa doutrina: a queda e a restauração dessa imagem.

·         Passagens Chave: Romanos 5:12 e Romanos 8:29

"Portanto, da mesma forma como o pecado entrou no mundo por um só homem [Adão], e pelo pecado a morte, assim também a morte veio a todos os homens, porque todos pecaram." (5:12)

"Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos." (8:29)

·         Justificativa: Romanos 5:12 explica a Queda da humanidade. A imagem de Deus em nós foi corrompida pelo pecado de Adão. Isso explica por que o "problema da subjetividade" é um "problema": nossa identidade e capacidade de auto-reflexão estão quebradas e alienadas de seu propósito original. Romanos 8:29 revela o objetivo final da salvação: não apenas o perdão, mas a restauração completa dessa imagem, conformando-nos à imagem perfeita de Cristo. Isso mostra que a questão da identidade ("quem eu sou") está no centro do plano de Deus.

3. O Conhecimento de Si Através do Conhecimento de Deus

A afirmação de Calvino de que não podemos nos conhecer sem conhecer a Deus é um princípio que Paulo estabelece de forma clara, especialmente ao falar sobre a função da Lei.

·         Passagens Chave: Romanos 3:20 e Romanos 7:7

"Portanto, ninguém será declarado justo diante dele pela prática da lei; pois por meio da lei vem o pleno conhecimento do pecado." (3:20)

"Que diremos então? A lei é pecado? De maneira nenhuma! De fato, eu não saberia o que é pecado, a não ser por meio da lei. Pois, na verdade, eu não saberia o que é cobiça, se a lei não dissesse: 'Não cobiçarás'." (7:7)

·         Justificativa: Paulo argumenta que a introspecção sozinha é insuficiente para o autoconhecimento. Sem um padrão externo e divino (a Lei de Deus), não temos como medir nosso verdadeiro estado. Achamos que estamos bem, mas a Lei funciona como um espelho que revela nossa verdadeira condição: pecadores necessitados de graça. Portanto, o verdadeiro "conhecimento de si" — o conhecimento de nossa dependência, falibilidade e necessidade de redenção — só é possível quando nos confrontamos com o conhecimento de Deus e Seus padrões santos.

A Verdadeira "Arte de Viver" como Submissão a Cristo (A MENTE RENOVADA)

Depois de estabelecer a doutrina da justificação pela fé, Paulo dedica a segunda metade de Romanos à práxis cristã, a verdadeira "arte de viver".

·         Passagem Chave: Romanos 12:1-2

"Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus."

·         Justificativa: Esta passagem é a resposta direta à busca filosófica. A "arte de viver" não é uma técnica para aperfeiçoar o "eu", mas um ato de rendição total ("sacrifício vivo"). Não é sobre se conformar a uma filosofia (o "padrão deste mundo"), mas sobre ser transformado por um poder externo a nós ("renovação da mente"), que é obra do Espírito Santo. O objetivo da vida não é a auto-realização autônoma, mas a descoberta e a vivência da "vontade de Deus". Este novo modo de vida só é possível através da obra redentora de Cristo, que é o fundamento para as "misericórdias de Deus" mencionadas no início do versículo.

RANIERE MENEZES