Decifrando o "Eu": A Busca Grega
pela Subjetividade e a Resposta que Sempre Esteve Lá
Em nossa exploração
sobre a Teoria do Caos, vimos como a ciência moderna está descobrindo um
universo tão complexo e interconectado que desafia nossas previsões mais
sofisticadas. O Dr. Paulo Teston, num podcast, iniciou essa conversa a partir
de uma pergunta, uma questão que atormentava os filósofos da Grécia Antiga: o
"problema da subjetividade".
Essa não é uma
pergunta apenas para cientistas ou filósofos. É uma das questões mais humanas
que existem: Como eu me torno quem eu sou? O que significa me
conhecer? Qual é a verdadeira arte de viver?
Os gregos não
tratavam essas perguntas como meros exercícios acadêmicos. Para eles, a
filosofia era uma práxis — uma prática diária, uma arte de viver que
moldava o caráter e a alma. Mas, por mais profunda que fosse sua busca, ela era
como tatear em um quarto escuro em busca de algo que eles sentiam que deveria
estar lá, sem nunca conseguir acender a luz.
Anular Deus do
conhecimento humano é andar tateando a escuridão como bêbados. —Jó 12.25. Ou
como cegos tateando as paredes. —Is 59.10. E Paulo diz aos gregos em Atenas,
usando a mesma metáfora da escuridão, que Deus se revela aos que o procuram, e
que Ele não está longe, mas imanente. —At 17.27.
Uma Sombra da Verdade
Do ponto de vista
teológico, a busca grega pela identidade e pelo significado não era um erro,
mas um eco distorcido de uma verdade bíblica fundamental. A razão pela qual os seres humanos anseiam por
autoconhecimento e propósito é que fomos projetados para isso. O livro de
Gênesis nos diz que o homem foi criado "à imagem de Deus" (Gênesis
1:27).
Essa doutrina,
conhecida como Imago Dei, é a chave. Ser feito à imagem de Deus significa
que recebemos, como um reflexo, atributos que pertencem originalmente a Ele:
personalidade, consciência, racionalidade e a capacidade de auto-reflexão. O
próprio ato de perguntar "Quem sou eu?" é uma confirmação de que não
somos acidentes cósmicos ou meros agrupamentos de átomos. Somos pessoas, e
nossa busca por identidade é, em sua essência, a busca de uma criatura pelo
significado para o qual foi criada.
Conhecer a Si Mesmo Conhecendo a Deus
Os gregos
acreditavam que o "conhecimento de si mesmo" era o auge da sabedoria.
A famosa inscrição no Templo de Apolo em Delfos dizia: "Conhece-te a ti
mesmo". No entanto, eles tentavam fazer isso olhando para dentro, como se
o "eu" fosse uma entidade autônoma e autoexplicativa.
Aqui, a Escritura
oferece uma correção. Como o teólogo João Calvino argumentou, o conhecimento de
si e o conhecimento de Deus são inseparáveis. Não podemos verdadeiramente nos
conhecer sem primeiro conhecer a Deus. Como posso entender o que significa ser
uma criatura se não conheço o Criador? Como posso entender minhas falhas e anseios se
não conheço o padrão de perfeição e santidade de Deus?
O verdadeiro
conhecimento de si mesmo não começa com uma introspecção isolada, mas com a
revelação de Quem nos criou. É ao olhar para Deus que finalmente entendemos
nosso próprio reflexo.
A Verdadeira "Arte de Viver"
Da mesma forma, a
"arte de viver" que os filósofos buscavam através de técnicas,
exercícios e disciplinas rigorosas era uma tentativa de construir, com esforço
humano, uma vida virtuosa e com propósito. Eles buscavam a sabedoria para a
vida. Que em parte é válido.
A resposta bíblica,
no entanto, não é uma técnica a ser dominada, mas uma Pessoa a ser seguida, uma
Revelação da Verdade. A verdadeira "arte de viver" não é um sistema
autônomo de ética, mas uma vida de obediência e comunhão com Jesus Cristo, o
Logos Eterno. Ele não apenas nos ensina o caminho; Ele é o Caminho (João 14:6). Viver bem não é o
resultado de nossa própria força e sabedoria, mas o fruto de uma vida entregue
e transformada por Ele.
Da Incerteza à Certeza
Assim como a
aparente aleatoriedade do universo, que discutimos anteriormente, encontra sua
ordem na soberania de Deus, a busca humana pela identidade encontra sua
resposta Nele. O "problema da subjetividade" não é um quebra-cabeça
para ser resolvido em um vácuo.
Os gregos estavam
fazendo as perguntas certas. E fizeram as perguntas certas por causa da Imagem
de Deus em sua natureza, mesmo caída. Eles
sentiram o eco da sua própria natureza. Mas a resposta para a pergunta
"Como me torno quem eu sou?" não está em uma fórmula filosófica ou em
uma técnica de autodisciplina.
A resposta é encontrada
ao reconhecer Quem nos fez e para Quem fomos feitos. A busca por si mesmo, em
última análise, termina não quando olhamos mais fundo para dentro, mas quando
olhamos para cima, para o Criador que nos definiu desde o princípio.
A Busca Humana como um "Eco Distorcido"
A ideia de que a
busca filosófica por significado é um "eco distorcido" da verdade
sobre Deus é o cerne do argumento de Paulo em Romanos 1.
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Passagem Chave: Romanos 1:19-21, 25
"Pois
o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes
manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu
eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo
compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são
indesculpáveis; porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como
Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e os
seus corações insensatos se obscureceram. [...] Eles trocaram a verdade de Deus pela mentira, e
adoraram e serviram a coisas e seres criados, em lugar do Criador, que é bendito para sempre. Amém."
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Justificativa: Paulo argumenta que todos os seres humanos têm um
conhecimento inato e inescapável de Deus, revelado na própria criação (a
"verdade" que ecoa). No entanto, em sua rebelião/queda, a humanidade
suprime essa verdade. A busca filosófica grega é uma manifestação sofisticada
desse processo: é uma busca genuína por verdade, beleza e sentido (o
"eco"), mas é "distorcida" porque se recusa a dar o crédito
ao Criador, buscando as respostas na criatura, na razão humana ou em princípios
impessoais. Eles se tornaram "fúteis em seus pensamentos".
A Capacidade de Auto-reflexão (Imagem de Deus)
Embora Gênesis seja
o texto fundamental para a doutrina da Imagem de Deus (Imago Dei), Romanos lida extensivamente com as
consequências dessa doutrina: a queda e a restauração dessa imagem.
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Passagens Chave: Romanos 5:12 e Romanos 8:29
"Portanto,
da mesma forma como o pecado entrou no mundo por um só homem [Adão], e pelo
pecado a morte, assim também a morte veio a todos os homens, porque todos
pecaram." (5:12)
"Pois aqueles
que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos
irmãos." (8:29)
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Justificativa: Romanos 5:12 explica a Queda da humanidade. A
imagem de Deus em nós foi corrompida pelo pecado de Adão. Isso explica por que
o "problema da subjetividade" é um "problema": nossa
identidade e capacidade de auto-reflexão estão quebradas e alienadas de seu
propósito original. Romanos 8:29 revela o objetivo final da salvação: não
apenas o perdão, mas a restauração completa dessa imagem, conformando-nos à
imagem perfeita de Cristo. Isso mostra que a questão da identidade ("quem
eu sou") está no centro do plano de Deus.
3. O Conhecimento de Si Através do Conhecimento de
Deus
A afirmação de
Calvino de que não podemos nos conhecer sem conhecer a Deus é um princípio que
Paulo estabelece de forma clara, especialmente ao falar sobre a função da Lei.
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Passagens Chave: Romanos 3:20 e Romanos 7:7
"Portanto,
ninguém será declarado justo diante dele pela prática da lei; pois por meio da lei vem o pleno conhecimento do pecado." (3:20)
"Que diremos
então? A lei é pecado? De maneira nenhuma! De fato, eu não saberia o que é pecado, a não ser por meio
da lei. Pois, na
verdade, eu não saberia o que é cobiça, se a lei não dissesse: 'Não
cobiçarás'." (7:7)
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Justificativa: Paulo argumenta que a introspecção sozinha é
insuficiente para o autoconhecimento. Sem um padrão externo e divino (a Lei de
Deus), não temos como medir nosso verdadeiro estado. Achamos que estamos bem,
mas a Lei funciona como um espelho que revela nossa verdadeira condição:
pecadores necessitados de graça. Portanto, o verdadeiro "conhecimento de
si" — o conhecimento de nossa dependência, falibilidade e necessidade de
redenção — só é possível quando nos confrontamos com o conhecimento de Deus e
Seus padrões santos.
A Verdadeira "Arte de Viver" como
Submissão a Cristo (A MENTE RENOVADA)
Depois de
estabelecer a doutrina da justificação pela fé, Paulo dedica a segunda metade
de Romanos à práxis cristã, a verdadeira "arte de viver".
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Passagem Chave: Romanos 12:1-2
"Portanto,
irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a
Deus; este é o culto racional de vocês. Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas
transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e
comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus."
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Justificativa: Esta passagem é a resposta direta à busca
filosófica. A "arte de viver" não é uma técnica para aperfeiçoar o
"eu", mas um ato de rendição total ("sacrifício vivo"). Não
é sobre se conformar a uma filosofia (o "padrão deste mundo"), mas
sobre ser transformado por um poder externo a nós ("renovação da
mente"), que é obra do Espírito Santo. O objetivo da vida não é a
auto-realização autônoma, mas a descoberta e a vivência da "vontade de
Deus". Este novo modo de vida só é possível através da obra redentora de Cristo,
que é o fundamento para as "misericórdias de Deus" mencionadas no
início do versículo.
RANIERE MENEZES