13.9.16

Protestantes no deserto (1715-1787) - Na França

Protestantes no deserto (1715-1787)
Raniere Menezes




Quando o Édito de Nantes foi revogado os protestantes da França foram exilados, fugiram ou se retrataram. Mas entre os que se retrataram alguns continuaram a praticar o cristianismo não romanista em segredo. Liam a Bíblia, cantavam salmos e realizavam reuniões secretas. Famílias inteiras cantavam no deserto.

Reuniões clandestinas cheias de vigor e fervor por causa das perseguições católicas. Na clandestinidade essas igrejas formaram uma organização de igrejas reformadas com sínodos por toda França. Havia treinamento de novos pastores e liderança era nomeada e reconhecida pelos sínodos. Essas igrejas cobriam extenso território em segredo. Era um ministério arriscado.

Para a formação de pastores, os huguenotes (calvinistas franceses) fundaram um seminário na Suíça, em Lausanne. A formação era intensiva, no máximo dois anos, os estudos eram financiados por vários países protestantes.

Neste período havia toda uma adaptação da fé protestante na clandestinidade. Bíblias pequenas para esconder mais fácil (até nas roupas das mulheres), cadeiras dobráveis para mudanças rápidas.




Os cultos eram ilegais, mas as assembleias praticavam sua fé em segredo. Igrejas por vezes com 2 mil, 3 mil membros. A noite eles ocupavam bosques, fazendas e lugares remotos. Reuniam todas as classes sociais. Seguiam a liturgia de Genebra, e ouviam longos sermões. Havia batismos e casamentos. As reuniões do deserto geralmente incluíam aulas de catecismo, no entanto o catecismo era praticado mais nas reuniões de famílias. O catecismo era de ortodoxia calvinista. A instrução das crianças era concluída na idade de 15 anos, havia uma profissão de fé nesta idade.



Os sermões se espalhavam através de manuscritos e circulavam cartas pastorais, havia também cópias de orações, livros, indicação de teologia. Havia muito contrabando de livros e pregadores circulavam em segredo. Havia o risco constante de prisão ou morte.

As bíblias e os hinários eram reduzidos em tamanho e também se arrancava as capas dos livros e das bíblias para evitar que alguém reconhecesse os livros proibidos. Móveis eram adaptados para esconderijos os púlpitos eram desmontáveis. As igrejas possuíam grande mobilidade.


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Fonte e imagens:
museeprotestant.org

7.9.16

Calvino contra a Astrologia: Um dos debates quentes do século XVI


Calvino contra a Astrologia: Um dos debates quentes do século XVI
Por Raniere Menezes

A astrologia é uma antiga tradição. Para muitos no século XVI a astrologia era entendida também como um juízo de Deus anunciado pelas estrelas. E é uma das tradições mais antigas da humanidade, e ainda causa de controvérsias e admiração. Há relatos milenares entre os caldeus, egípcios, mesopotâmios e em sociedades mais recentes na linha do tempo da história.

Não confundir astrologia com astronomia. O desenvolvimento da astronomia cientifica contribuiu para enriquecer de informações a astrologia, embora distintas. Depois de Ptolomeu a astronomia se desenvolveu notavelmente dentro do islã (Calvino reconheceu isto). No Renascimento destaca-se o astrônomo Galileu, com o uso do telescópio. A astronomia aproximou-se cada vez mais da matemática, que permitia calcular órbita, distâncias etc. Grandes astrônomos merecem destaque como Copérnico, Brahe, Galileu, Kepler e outros. Astrologia tem a ver com horóscopo, e astronomia é ciência.

Até hoje os noticiários destacam comentários de astrólogos sobre eclipses e passagens de cometas. De fato, corpos celestes são fascinantes. O mapeamento do céu sempre foi usado para reconhecer estações, navegação, marés, tempo de semear, de colher e outras observações. As conjecturas da astrologia relacionam-se e são fortalecidas por histórias mitológicas que enriquecem as imaginações especulativas. O homem tem desejo de conhecer o futuro, prever desastres, epidemias, mortes e outros acontecimentos.

Na França do século XVI as igrejas discutiam sobre a astrologia como hoje discutimos sobre a influência do entretenimento em nossas igrejas. Muitos consideram coisa normal. João Calvino combatia teologicamente qualquer “causa-efeito” relacionado às estrelas do céu. As estrelas não afetam em nada eventos humanos trágicos ou felizes, afirmava. O cotidiano das pessoas não tem nada a ver com astrologia. Teologicamente só se deve reconhecer as predeterminações de Deus em seus Decretos Eternos.

A astrologia não tem nem base cientifica nem teológica, é biblicamente improcedente. No século XVI a astrologia era usada até judicialmente (pasme!), para distinguir o certo do errado, para julgar indivíduos. Em 1548, Calvino fez uma advertência contra a astrologia judicial. O texto de Calvino em Genebra foi publicado pelo editor Jean Girard em 1549 sob o título "Tratado ou advertência contra a astrologia judiciária e outras curiosidades que influenciam o mundo hoje”. Republicado em 1842 para a biblioteca Charles Gosselin, em um volume dedicado às obras de Calvino. Mais recentemente, Olivier Millet editou uma publicação anotada em 1985.

O movimento da Reforma Protestante entrou numa batalha contra a astrologia no século XVI. Neste tempo, em quase todos os círculos sociais, o povo gostava de horóscopo, almanaques, "généthliaques" (espécie de mapa astral, peças escritas para o nascimento de uma criança). Com o advento da impressão em papel, a distribuição de literatura deu mais força a astrologia.

Nesse contexto cultural Calvino usou de toda energia e ironia para escrever seu Tratado contra a astrologia. O povo simples era alvo fácil dos horóscopos, mas também gente letrada e influente. E a igreja sofreu influência desses escritos. Calvino citou a mesma passagem que o Apóstolo Paulo escreveu aos Gálatas 1.6-7:

Maravilho-me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo para outro evangelho; O qual não é outro, mas há alguns que vos inquietam e querem transtornar o evangelho de Cristo.

Calvino comentou que havia uma curiosidade louca de adivinhar o futuro pelas estrelas por parte de seus contemporâneos. E que isso não passava de uma superstição diabólica e perniciosa para a humanidade. E que havia gente com boas intenções quase enfeitiçada.

Ele não condenava a astronomia, pelo contrário, dizia que o conhecimento astronômico deve ser reconhecido, o conhecimento da ordem natural, mas a especulação é condenada. As estrelas podem ser sinais para nos mostrar a estação da sementeira ou plantação, mas é especulação consultar as estrelas para usar um vestido novo, ou fazer negócios num determinado dia e outro não, criticava o teólogo francês.

Calvino reprovava a prática de "généthliaques prédéterministes", um tipo de mapa astral. Ele questionava: “Pessoas que nasceram no mesmo dia teriam a mesma vida? Gêmeos tem o mesmo destino?” Ele chamava os astrólogos de os "fazedores" de horóscopos. Possivelmente o que mais incomodava Calvino é que os astrólogos justificavam o seu determinismo como sendo juízo de Deus. E também, diziam, que havia semelhança da prática deles com a carta do Apocalipse, que contém sinais do céu e profecias futurísticas. Calvino rebatia que profecias não tem relação com as estrelas.

O teólogo argumentava: “Quando José previu a fome do Egito havia alguma relação com as estrelas? Pelo contrário, havia uma revelação miraculosa”. Concluiu que, os egípcios sondavam as estrelas como meio de adivinhação e não sabiam da fome que viria. E Deus advertiu Faraó num sonho e José revelou seu sonho, mas nenhum astrólogo conseguiu prever o futuro. As estrelas não têm domínio sobre nós, sentenciava o reformador. Usou outro exemplo, o de Jeremias. Deus revelou ao profeta Jeremias que não devemos ser como os pagãos, temendo os sinais do céu. Jeremias exortou seu povo a confiar na providência divina e não ser seduzido com as loucuras dos caldeus e egípcios.

João Calvino realçava que o homem carrega todos os males dentro de si. Seus pecados que acendem a ira de Deus, atraindo sobre si guerras, fome, granizo, geada etc....e mais: aqueles que buscam orientação e felicidade através da previsão das estrelas retiram a confiança em Deus. Ao crente cabe descansar no conhecimento e nas mãos de Deus, e será abençoado por ele, servindo-o de boa consciência. Este é o caminho do discernimento e sabedoria apontado pelo teólogo.

Há o exemplo dos Efésios que em Atos é relatado. Aqueles que querem seguir o Evangelho devem queimar seus livros mágicos, mesmo que valham uma fortuna. -- Atos 19.19:

Também muitos dos que seguiam artes mágicas trouxeram os seus livros, e os queimaram na presença de todos e, feita a conta do seu preço, acharam que montava a cinquenta mil peças de prata.

Calvino aconselha em seu Tratado que se mantenha o inestimável tesouro do Evangelho em boa consciência, pois o temor de Deus é sabedoria contra todos os erros. Deus tem nos ensinado como santificar-nos e servi-lo humildemente. Que os letrados se engajem em bons e úteis estudos e não em curiosidades frívolas, que servem apenas para divertir os tolos. O nosso propósito é o temor de Deus.

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Fonte: museeprotestant.org

4.9.16

Pietismo: um coração em chamas


Pietismo: um coração em chamas
Por Raniere Menezes

A origem do pietismo é múltipla, sempre acompanhou a história da Igreja em vários momentos, alguns pesquisadores apontam para os discípulos eremitas da igreja primitiva, ou para os pais no deserto, ou para seitas diversas, para os hussitas, os anabatistas, o puritanismo inglês, o metodismo e alguns luteranos e calvinistas. Enfim, o pietismo permeia todos os séculos.

Segundo o professor Hermisten Maia, "sempre existiram diferentes formas de pietismo no seio da igreja, como manifestações de uma 'posição dialética face ao intelectualismo e ao clericalismo'. essas manifestações podem ser mais ou menos isoladas e individuais, tendo como uma válvula de escape uma religiosidade fortemente mística (Eckhart, Tauler, Kempis, Schwencfeld), ou manifestar-se através de movimentos até certo ponto amorfos, mas que tem em comum o elã vital de buscar a pureza e um contato mais direto com Deus”.

Destaque aqui para o pietismo desenvolvido na Alemanha devastada pela Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Seus fundadores foram luteranos. Após o período de grande produção confessional e estabelecimentos de igrejas nacionais, houve uma onda de debates estéreis e arrefecimento da fé. O pietismo alemão teve como uma das suas características a REAÇÃO contra um cristianismo que se tornara vazio, contra a ortodoxia morta. O alvo do pietismo era o retorno à teologia viva dos apóstolos e das primeiras reformas protestantes.

O século XVII, posterior ao século da Reforma Protestante,  houve um aumento de sentimento pietista. Historicamente reconhecido temos um personagem fundador do pietismo, um pastor luterano chamado Philip Jacob Spener (1635-1705), nascido na Alsácia. Pastor em Frankfurt, ele reunia suas ovelhas para ler a Bíblia, orar e discutir o sermão de domingo. Era um movimento crescente e seus participantes eram cada vez mais numerosos, e essas reuniões aconteciam sem permissão oficial das autoridades.

Philipp-Jakob Spener (1635-1705) 

 Esse movimento desenvolvia uma reação espiritual com base no sacerdócio universal e admoestação fraterna, leitura da bíblia e orações. Este era o programa pietista de Spener. O problema é que eles colocavam a experiência religiosa pessoal como sendo mais importante que sua confissão de fé ou adesão a um credo. Ambas as coisas não deveriam ser excludentes, mas há uma tendência de polaridade em todo contexto histórico da igreja. Este contexto histórico do século XVII forçou essa REAÇÃO pietista, pois a igreja nacional era composta de convertidos e não-convertidos de fato e de verdade. Isto gerou uma confessionalidade vazia. Não que a adesão credal fosse um mal em si, mas quando imposta a uma igreja nacional gerou efeito colateral.

Os pietistas enfatizavam a necessidade de conversão, algo como uma necessidade de sinal visível ou piedade emocional. Semelhante ao que acontece com os pentecostais na exigência ou necessidade do segundo batismo, hoje.

Os pietistas da Alemanha foram logo criticados por Luteranos ortodoxos, e as vezes perseguidos. Com o passar do tempo, ainda no século XVII, houve mais tolerância na Saxônia e Spener foi convidado a ser pastor oficial em Berlim, em 1691. Sua influencia foi reforçada e o movimento estruturado com August-Hermann Francke  (1663-1727), professor luterano na Universidade de Halle. Este movimento gerou a fundação de muitas obras sociais (escolas, orfanatos, seminários para estudantes pobres, edições populares da Bíblia), e assegurou a radiação do pietismo, com a criação das primeiras missões para a Ásia.

August-Hermann Francke  (1663-1727)


Século XVIII - Novo impulso pietista

Um novo movimento foi dado por um nobre saxão, o Conde Nicolas Zinzendorf  (1700-1760). Ele deu apoio religioso a uma irmandade descendente de John Huss, cristãos refugiados da Alemanha. Zinzendorf ofereceu suas terras e deu o nome "Herrnhut" ( "a guarda do Senhor") para a nova comunidade, conhecido na Europa sob o nome de "Irmãos". Eles eram divididos em grupos, e eram dedicados a vários exercícios devocionais.

Nicolas Zinzendorf  (1700-1760)

Esses "Irmãos" geraram o movimento Morávio. A piedade Morávia tinha um caráter alegre, romântico e sentimental, a "religião do coração" centrada na Expiação de Cristo, com um culto que enfatizava o sangue e seus ferimentos, que alguns consideravam mórbido. Após polêmicas e estranhamentos os Morávios estabeleceram sua teologia, para serem "ortodoxo" e aceitável por todas as denominações protestantes. Novas comunidades surgiram na Europa e América, a atividade missionária era muito importante e uma marca notável dos Morávios.

No final do século XVIII, o pietismo alemão teve seu foco na conscientização dos deveres sociais, especialmente no aspecto da educação cultural, provocando uma inovação no fator econômico mais filantrópico. A Diáspora dos Irmãos Moravianos desempenhou um papel importante mesmo na França e outras regiões, como evidenciado por JF Oberlin.

Considerações

O movimento pentecostal que hoje detém o maior número de evangélicos do mundo, tem raízes históricas com o metodismo (espiritualidade e elementos) e pietismo católico afro-americano. A ênfase do movimento é baseada em experiências as quais cada um pode viver o chamado “segundo batismo” ou “batismo com o Espírito Santo”. Vivenciando dons especiais como falar em línguas e outros. Com a grande expansão das igrejas pentecostais no Terceiro Mundo e Europa Oriental o movimento é alvo de interesses ecumênicos e sincréticos. Muitas igrejas pentecostais participam do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Participam também de diálogos com o vaticano, a Aliança Mundial das Igrejas Reformadas e Igrejas Ortodoxas. – É o movimento que mais cresce no Brasil e com seu poderio numérico de adeptos é alvo dos políticos, uma ligação cada vez mais forte e crescente.

As igrejas pentecostais estão na ramificação da tradição protestante evangélica arminiana e alguns princípios da Reforma são seguidos, como a justificação pela fé, salvação pela graça (no entendimento arminiano), autoridade da Bíblia e sacerdócio universal. Muitos seguidores não estão cientes dessa ligação com esses princípios e alguns historiadores consideram o pentecostalismo como outra forma de cristianismo.

Comunidades “carismáticas”, cujo nascimento no final da década de 1970, são movimentos pentecostais. O catolicismo romano foi fortemente envolvido na renovação carismática.

A organização das igrejas pentecostais se assemelha ao das igrejas batistas e congregacionais, esse tipo de organização dar mais autoridade e independência as igrejas locais e oferece mais liberdade de expressão segundo os dons de cada um, como afirmam e praticam.

Ao longo do tempo, principalmente nas ultimas décadas, muitos pentecostais sentem a necessidade de se reconectar as suas raízes da herança protestante, o debate está aberto e causa muita polemica e migrações. Na base da disputa está o calvinismo vs arminianismo, entre outros temas.

Sociologicamente o desenvolvimento das igrejas pentecostais coincidiu com movimentos da população das zonas rurais para as zonas urbanas, populações afluentes e separadas de suas raízes culturais e suas práticas religiosas tradicionais. Isso justifica algumas de suas práticas culturais, a exemplo de seus cultos fervorosos e musicalidade mais popular e alegre.

A associação com o pietismo em grande parte se dá através da prática da COMUNICAÇÃO ORAL dessas igrejas, deixando de lado o intelectualismo das igrejas protestantes. Comunidades pentecostais fornecem orientação espiritual com bases em experiências revelacionais às outras pessoas.

A formação teológica dos pastores pentecostais, geralmente considerada insuficiente, justifica a desconfiança de igrejas históricas para com o pentecostalismo. Mas esta situação tem mudado gradativamente e é cada vez mais comum ver pentecostais buscando aprimoramento teológico, acadêmico e editorial.

Outra associação do pentecostalismo com o pietismo é o proselitismo forte através do evangelismo que insiste que esta marca de "piedade" faz com que os próprios pentecostais acreditem que cristãos não-pentecostais não são cristãos verdadeiros. Enquanto muitos cristãos tradicionais consideram os pentecostais como seita.

Para onde irá o pentecostalismo? Irão se aproximar mais das igrejas protestantes históricas? Ou serão fragmentados por novos movimentos carismáticos e pietistas? O futuro do movimento pentecostal está aberto.

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Fonte:

Imagem: Philipp-Jakob Spener (1635-1705) © Fondation St Thomas Strasbourg
BRANDT-Bessire Daniel, as fontes da espiritualidade Pentecostal , Labor et Fides, Paris, 1994
Harvey Cox, de volta a Deus - Viagens Pentecostal país Descle de Brouwer, Paris, 1994
registros relacionados
http://www.museeprotestant.org/notice/le-pietisme/
http://collections.lstc.edu/theologians/pietists/
http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_IV__1999__1/Hermisten.pdf