Pietismo: um coração em chamas
Por Raniere Menezes
A origem do pietismo é múltipla, sempre acompanhou a
história da Igreja em vários momentos, alguns pesquisadores apontam para os discípulos
eremitas da igreja primitiva, ou para os pais no deserto, ou para seitas
diversas, para os hussitas, os anabatistas, o puritanismo inglês, o metodismo e
alguns luteranos e calvinistas. Enfim, o pietismo permeia todos os séculos.
Segundo o professor Hermisten Maia, "sempre existiram
diferentes formas de pietismo no seio da igreja, como manifestações de uma
'posição dialética face ao intelectualismo e ao clericalismo'. essas
manifestações podem ser mais ou menos isoladas e individuais, tendo como uma válvula
de escape uma religiosidade fortemente mística (Eckhart, Tauler, Kempis,
Schwencfeld), ou manifestar-se através de movimentos até certo ponto amorfos,
mas que tem em comum o elã vital de buscar a pureza e um contato mais direto
com Deus”.
Destaque aqui para o pietismo desenvolvido na Alemanha
devastada pela Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Seus fundadores foram luteranos. Após o período de grande produção
confessional e estabelecimentos de igrejas nacionais, houve uma onda de debates
estéreis e arrefecimento da fé. O pietismo alemão teve como uma das suas características
a REAÇÃO contra um cristianismo que se tornara vazio, contra a ortodoxia morta.
O alvo do pietismo era o retorno à teologia viva dos apóstolos e das primeiras
reformas protestantes.
O século XVII, posterior ao século da Reforma
Protestante, houve um aumento de
sentimento pietista. Historicamente reconhecido temos um personagem fundador do
pietismo, um pastor luterano chamado Philip Jacob Spener (1635-1705), nascido na
Alsácia. Pastor em Frankfurt, ele reunia suas ovelhas para ler a Bíblia, orar e
discutir o sermão de domingo. Era um movimento crescente e seus participantes
eram cada vez mais numerosos, e essas reuniões aconteciam sem permissão oficial
das autoridades.
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Philipp-Jakob
Spener (1635-1705) |
Esse movimento desenvolvia uma reação espiritual com base no
sacerdócio universal e admoestação fraterna, leitura da bíblia e orações. Este
era o programa pietista de Spener. O problema é que eles colocavam a experiência
religiosa pessoal como sendo mais importante que sua confissão de fé ou adesão
a um credo. Ambas as coisas não deveriam ser excludentes, mas há uma tendência de
polaridade em todo contexto histórico da igreja. Este contexto histórico do
século XVII forçou essa REAÇÃO pietista, pois a igreja nacional era composta de
convertidos e não-convertidos de fato e de verdade. Isto gerou uma confessionalidade
vazia. Não que a adesão credal fosse um mal em si, mas quando imposta a uma
igreja nacional gerou efeito colateral.
Os pietistas enfatizavam a necessidade de conversão, algo
como uma necessidade de sinal visível ou piedade emocional. Semelhante ao que
acontece com os pentecostais na exigência ou necessidade do segundo batismo,
hoje.
Os pietistas da Alemanha foram logo criticados por Luteranos
ortodoxos, e as vezes perseguidos. Com o passar do tempo, ainda no século XVII,
houve mais tolerância na Saxônia e Spener foi convidado a ser pastor oficial em
Berlim, em 1691. Sua influencia foi reforçada e o movimento estruturado com
August-Hermann Francke (1663-1727),
professor luterano na Universidade de Halle. Este movimento gerou a fundação de
muitas obras sociais (escolas, orfanatos, seminários para estudantes pobres,
edições populares da Bíblia), e assegurou a radiação do pietismo, com a criação
das primeiras missões para a Ásia.
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August-Hermann Francke (1663-1727) |
Século XVIII - Novo impulso pietista
Um novo movimento foi dado por um nobre saxão, o Conde Nicolas
Zinzendorf (1700-1760). Ele deu apoio
religioso a uma irmandade descendente de John Huss, cristãos refugiados da Alemanha.
Zinzendorf ofereceu suas terras e deu o nome "Herrnhut" ( "a
guarda do Senhor") para a nova comunidade, conhecido na Europa sob o nome
de "Irmãos". Eles eram divididos em grupos, e eram dedicados a vários
exercícios devocionais.
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Nicolas Zinzendorf (1700-1760) |
Esses "Irmãos" geraram o movimento Morávio. A
piedade Morávia tinha um caráter alegre, romântico e sentimental, a
"religião do coração" centrada na Expiação de Cristo, com um culto
que enfatizava o sangue e seus ferimentos, que alguns consideravam mórbido.
Após polêmicas e estranhamentos os Morávios estabeleceram sua teologia, para
serem "ortodoxo" e aceitável por todas as denominações protestantes.
Novas comunidades surgiram na Europa e América, a atividade missionária era
muito importante e uma marca notável dos Morávios.
No final do século XVIII, o pietismo alemão teve seu foco na
conscientização dos deveres sociais, especialmente no aspecto da educação cultural, provocando uma inovação no fator econômico mais filantrópico. A Diáspora
dos Irmãos Moravianos desempenhou um papel importante mesmo na França e outras
regiões, como evidenciado por JF Oberlin.
Considerações
O movimento pentecostal que hoje detém o maior número de evangélicos
do mundo, tem raízes históricas com o metodismo (espiritualidade e elementos) e
pietismo católico afro-americano. A ênfase do movimento é baseada em experiências
as quais cada um pode viver o chamado “segundo batismo” ou “batismo com o
Espírito Santo”. Vivenciando dons especiais como falar em línguas e outros. Com
a grande expansão das igrejas pentecostais no Terceiro Mundo e Europa Oriental
o movimento é alvo de interesses ecumênicos e sincréticos. Muitas igrejas
pentecostais participam do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Participam também
de diálogos com o vaticano, a Aliança Mundial das Igrejas Reformadas e Igrejas
Ortodoxas. – É o movimento que mais cresce no Brasil e com seu poderio numérico
de adeptos é alvo dos políticos, uma ligação cada vez mais forte e crescente.
As igrejas pentecostais estão na ramificação da tradição
protestante evangélica arminiana e alguns princípios da Reforma são seguidos,
como a justificação pela fé, salvação pela graça (no entendimento arminiano), autoridade
da Bíblia e sacerdócio universal. Muitos seguidores não estão cientes dessa
ligação com esses princípios e alguns historiadores consideram o pentecostalismo
como outra forma de cristianismo.
Comunidades “carismáticas”, cujo nascimento no final da
década de 1970, são movimentos pentecostais. O catolicismo romano foi
fortemente envolvido na renovação carismática.
A organização das igrejas pentecostais se assemelha ao das
igrejas batistas e congregacionais, esse tipo de organização dar mais
autoridade e independência as igrejas locais e oferece mais liberdade de
expressão segundo os dons de cada um, como afirmam e praticam.
Ao longo do tempo, principalmente nas ultimas décadas,
muitos pentecostais sentem a necessidade de se reconectar as suas raízes da
herança protestante, o debate está aberto e causa muita polemica e migrações. Na
base da disputa está o calvinismo vs arminianismo, entre outros temas.
Sociologicamente o desenvolvimento das igrejas pentecostais
coincidiu com movimentos da população das zonas rurais para as zonas urbanas,
populações afluentes e separadas de suas raízes culturais e suas práticas
religiosas tradicionais. Isso justifica algumas de suas práticas culturais, a
exemplo de seus cultos fervorosos e musicalidade mais popular e alegre.
A associação com o pietismo em grande parte se dá através da
prática da COMUNICAÇÃO ORAL dessas igrejas, deixando de lado o intelectualismo
das igrejas protestantes. Comunidades pentecostais fornecem orientação
espiritual com bases em experiências revelacionais às outras pessoas.
A formação teológica dos pastores pentecostais, geralmente
considerada insuficiente, justifica a desconfiança de igrejas históricas para com
o pentecostalismo. Mas esta situação tem mudado gradativamente e é cada vez
mais comum ver pentecostais buscando aprimoramento teológico, acadêmico e
editorial.
Outra associação do pentecostalismo com o pietismo é o
proselitismo forte através do evangelismo que insiste que esta marca de
"piedade" faz com que os próprios pentecostais acreditem que cristãos
não-pentecostais não são cristãos verdadeiros. Enquanto muitos cristãos
tradicionais consideram os pentecostais como seita.
Para onde irá o pentecostalismo? Irão se aproximar mais das
igrejas protestantes históricas? Ou serão fragmentados por novos movimentos
carismáticos e pietistas? O futuro do movimento pentecostal está aberto.
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Fonte:
Imagem:
Philipp-Jakob Spener (1635-1705) © Fondation St Thomas Strasbourg
BRANDT-Bessire Daniel, as fontes da espiritualidade
Pentecostal , Labor et Fides, Paris, 1994
Harvey Cox, de volta a Deus - Viagens Pentecostal país
Descle de Brouwer, Paris, 1994
registros relacionados
http://www.museeprotestant.org/notice/le-pietisme/
http://collections.lstc.edu/theologians/pietists/
http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_IV__1999__1/Hermisten.pdf