Olavo tem razão, mas não tem asabiya
Olavo de Carvalho não consegue unificar tribos, ele não tem “asabiya” amplo e eficaz. -- O termo “Asabiyyah” ou “asabiyya” (árabe: عصبيّة, 'sentimento de grupo' ou 'coesão social') é um conceito de solidariedade social com ênfase na unidade, uma cola social. -- Por um tempo ele atacou os evangélicos (assim como fez também Bernardo Kuster e o Alan dos Santos) depois recuou (recuaram) porque provavelmente reconhece o número de votos. Muitos evangélicos defendem as mesmas pautas olavistas, por exemplo, homeschooling. Esta convergência deve ser valorizada. -- "O amigo quer as mesmas coisas que você e rejeita as mesmas coisas que você", provérbio medieval, atribuído a Tomás de Aquino.
Existe um imaginário entre alguns católicos romanos que o
Brasil deve retornar e fortalecer sua unidade estatal através da monarquia e
catolicismo (vide Instituto Borborema e Brasil Paralelo). Este Brasil não tem
retorno (desde a fragmentação de miríades de linhas teológicas cristãs, o
cristianismo aprofunda cada vem mais em organizações descentralizadas e distribuídas).
Se Olavo vivesse nos começo do século XX seria um Grigori Rasputin
e nas décadas posteriores viveria o esoterismo, misticismo e astrologia dos
anos 20? (por sinal ele fala mal ou processa quem cita seu passado ocultista e
seus elogios ao Islã). Ainda bem que sua praia mais importante para a política
foi geopolítica pós-guerra, e contribuiu para revelar a conexão de pontos da
guerra fria até os esquemas de poderes do século XX e matizes comunistas. Houve
certa migração de um viés rasputiniano para um nível mais duginiano (Aleksandr
Dugin). O tradicionalismo defendido pelo Olavo é excelente para a política
brasileira. A crítica à modernidade materialista é válida e a fé cristã apoia
em grande parte. João Pereira Coutinho diz que o Olavo não é conservador, mas
reacionário cativo ao esquema historicista-marxista, Olavo faz marxismo do
avesso, segundo Coutinho. – “[Olavo de Carvalho] Polemista talentoso, autor tem
atitude estranha para um genuíno conservador, incompatível com suas melhores
páginas” (João Pereira Coutinho, Folha de São Paulo, 14/12/2018). – É visível
que o Olavo dos livros é diferente do Olavo das redes sociais, nas palavras do
Coutinho: “É incompatível com suas melhores páginas”.
Deus, pátria e família são pautas caras para a fé cristã. Religião
e patriotismo têm uma coesão social forte no meio evangélico e existe uma
tendência de fortalecimento. Nos EUA, berço protestante, os republicanos
conseguem unir grande parte de cristãos católicos e evangélicos na política, no
Brasil esta unidade está em processo lento e gradual, pois é uma configuração
oposta aos EUA. A espinha dorsal da disputa ideológica tem suas vertebras mais
importantes a cultura e educação, e os evangélicos participam dessa disputa.
Ideologicamente é possível ter alianças e pontos em comum com a chamada
sociedade judaico-cristã, porém a perspectiva evangélica-protestante rejeita o
Perenialismo (A tríade "Filosofia Grega", "Direito Romano"
e "Cristianismo"). A cosmovisão teológica-filosófica do
protestantismo é baseada em tétrade: "Criação, Queda, Redenção e Consumação",
porém há pontos convergentes para no mínimo, unir votos.
Acompanho o Olavo desde o site Mídia sem Máscara e as
disputas com o falecido evangélico Júlio Severo, ambos dispararam acusações um
contra o outro por um tempo. – O Júlio Severo foi acusado de comunista, porém
declarou voto aberto em Bolsonaro em 2018 e tem tudo registrado num antigo blog
(http://juliosevero.blogspot.com/2021/02/as-inverdades-de-olavo-de-carvalho.html).
Deixando de lado esta polêmica, entrando em outra, Olavo (e seguidores)
recentemente vem atacando o PR Bolsonaro dizendo ser crítica construtiva.
Espero que esta fase rançosa passe logo e o pragmatismo do ano eleitoral
retorne e as convergências superem as divergências.
Voltando a primeira afirmação, Olavo de Carvalho não
consegue unificar tribos, ele não tem “asabiya” amplo e eficaz. Na tríade,
Deus-pátria-família, ao rejeitar o iluminismo-materialismo-modernidade, defende
as verdades universais das principais religiões, porém não defende a
centralidade de Cristo e das Escrituras Sagradas como fez a Reforma Protestante
(século XVI) ao demarcar os pilares Solus Christus e Sola Scriptura. Não há
ênfase na Soberania de Cristo por parte de Olavo em sua elaboração das disputas
dos esquemas de poder mundial, a qual inclui o Islã e esboça uma possível
reação católica romana. Ou seja, no quesito cristandade Bolsonaro tem a cola
social, a asabiya, para unificar em grande parte católicos, evangélicos e
comunidade judaica brasileira. Ele mesmo se declara católico, é rebatizado no
Jordão, tem esposa evangélica e muitos evangélicos estão alinhados em
ministérios e parlamento, consegue unificar tribos em nível relevante. A ênfase
de Olavo em valores universais ou catolicismo enfraquece sua cola social,
chamar evangélico de “evanjegue” não ajuda muito nesta cola, em compensação,
Bolsonaro consegue unir bandeiras com uma tolerância constantina. Ao atacar o
setor militar, Olavo também enfraquece o nacionalismo patriótico, área
relevante para Bolsonaro. Olavo combate os militares brasileiros, mas ama uma
guerra, seu espírito belicoso suporta qualquer enfrentamento, respira, vive
enfrentamento. Por estas e outras, Olavo não tem asabiya ampla.
Peter Valentinovich Turchin, antropólogo russo-americano,
especializado em evolução cultural e cliodinâmica - modelagem matemática e
análise estatística da dinâmica das sociedades históricas trabalha bem este
conceito asabiya como parte da teoria da história de Ibn Khaldun. Asabiya é a
cola social que une os indivíduos em grupos sociais coesos. Os grupos que
possuem asabiya maiores impõem sua vontade (se não derrotar completamente) os
grupos que possuem asabiya menores. E o Peter Turchin estuda como os grupos
adquirem asabiya e por que a perdem. Em seu blog, Peter Turchin, usa dois
personagens, um real, Ibn Khaldun, e outro fictício, protagonista do romance
Duna de Frank Hebert, chamado Paul Muad'Dib. Como o herói de Duna transformou
seus seguidores em guerreiros resistentes e fanáticos. A resposta: Asabiya. No
decorrer da ficção Duna, o herói tem um problema, enquanto asabiya de nível
tribal é uma grande cola social, tornando cada tribo uma máquina de guerra
eficaz, Paul precisa unificar todas as tribos do deserto para derrotar Shaddam
e os Harkonnens. Para unir os Fremen em uma única força, a asabiya tribal não é
suficiente. Outro tipo de cola social é necessário, e esta cola é a religião.
Ibn Khaldun diz (e o Peter Turchin concorda) que Paul
Muad'Dib precisou de religião. É a religião que tem o potencial de unir tribos
díspares (e mais geralmente, grupos étnicos) em uma força coesa. Talvez o
exemplo mais famoso seja a ascensão do Islã, quando o Profeta Muhammad uniu as
tribos de beduínos árabes, o que seus sucessores levaram a conquistas da
Espanha no Ocidente. Ser um líder carismático é apenas parte, ser um guerreiro
é apenas uma porção, Maomé, por exemplo, não era um exímio guerreiro rústico,
mas valorizou a força da espada, tinha a capacidade de incendiar seguidores e
coragem; pele no jogo e sorte. Bolsonaro já provou que tem coragem ao se expor
tantas vezes aos perigos tendo muitos inimigos.
Olavo tem carisma tribal, mas não consegue unificar muitas
tribos. Tem uma grande capacidade belicosa de incendiar seus seguidores, mas
não consegue unificar tribos. Olavo tem razão quando diz que conservadorismo
significa fidelidade, constância, firmeza. Não é coisa para homens de geleia,
então que pare de ameaçar Bolsonaro e demonstre lealdade, pois não existe
amizade sem confiança nem opinião sem consequências.
Raniere Menezes
Arte de caneca -- imagem da internet |