31.12.21

REDENÇÃO & LIBERDADE

REDENÇÃO & LIBERDADE

Em 2022 completará 6 anos da morte de Francisco Erasmo Rodrigues de Lima, pai de 4 filhos, pedreiro, alcoólatra, divorciado e morador de rua, foi morto nas escadarias da Catedral da Sé. Uma senhora, que rezava na igreja acabou sendo feita de refém por um criminoso. Francisco não hesitou, sabia o que devia fazer e se atirou contra o lobo solitário armado, libertou a mulher e foi baleado e morto no confronto. Em seguida o agressor armado foi morto na escadaria da igreja pela polícia.

Enquanto Francisco entregava sua vida em defesa daquela mulher, pessoas assistiam e filmavam, mas só Francisco, um morador de rua, foi capaz de entregar sua vida por uma pessoa desconhecida. Francisco Erasmo na porta da igreja, aos pés da cruz, talvez nunca tenha ouvido João 15.13: Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos. Mas encarnou a palavra e foi além, deu sua vida por uma pessoa desconhecida. Francisco viveu literalmente na carne a verdade, por justiça e liberdade, liberdade que não conseguiu para ele, mas para o próximo. 

Que FRANCISCO ERASMO seja lembrado por seu ato de bravura e heroísmo. Viva os verdadeiros heróis brasileiros! 🇧🇷 Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência. (Léon Tolstoi). 

Raniere Menezes

29.12.21

Olavo tem razão, mas não tem asabiya


Olavo tem razão, mas não tem asabiya

 

Olavo de Carvalho não consegue unificar tribos, ele não tem “asabiya” amplo e eficaz. -- O termo “Asabiyyah” ou “asabiyya” (árabe: عصبيّة, 'sentimento de grupo' ou 'coesão social') é um conceito de solidariedade social com ênfase na unidade, uma cola social. -- Por um tempo ele atacou os evangélicos (assim como fez também Bernardo Kuster e o Alan dos Santos) depois recuou (recuaram) porque provavelmente reconhece o número de votos. Muitos evangélicos defendem as mesmas pautas olavistas, por exemplo, homeschooling. Esta convergência deve ser valorizada. -- "O amigo quer as mesmas coisas que você e rejeita as mesmas coisas que você", provérbio medieval, atribuído a Tomás de Aquino. 

 

Existe um imaginário entre alguns católicos romanos que o Brasil deve retornar e fortalecer sua unidade estatal através da monarquia e catolicismo (vide Instituto Borborema e Brasil Paralelo). Este Brasil não tem retorno (desde a fragmentação de miríades de linhas teológicas cristãs, o cristianismo aprofunda cada vem mais em organizações descentralizadas e distribuídas).

 

Se Olavo vivesse nos começo do século XX seria um Grigori Rasputin e nas décadas posteriores viveria o esoterismo, misticismo e astrologia dos anos 20? (por sinal ele fala mal ou processa quem cita seu passado ocultista e seus elogios ao Islã). Ainda bem que sua praia mais importante para a política foi geopolítica pós-guerra, e contribuiu para revelar a conexão de pontos da guerra fria até os esquemas de poderes do século XX e matizes comunistas. Houve certa migração de um viés rasputiniano para um nível mais duginiano (Aleksandr Dugin). O tradicionalismo defendido pelo Olavo é excelente para a política brasileira. A crítica à modernidade materialista é válida e a fé cristã apoia em grande parte. João Pereira Coutinho diz que o Olavo não é conservador, mas reacionário cativo ao esquema historicista-marxista, Olavo faz marxismo do avesso, segundo Coutinho. – “[Olavo de Carvalho] Polemista talentoso, autor tem atitude estranha para um genuíno conservador, incompatível com suas melhores páginas” (João Pereira Coutinho, Folha de São Paulo, 14/12/2018). – É visível que o Olavo dos livros é diferente do Olavo das redes sociais, nas palavras do Coutinho: “É incompatível com suas melhores páginas”.

 

Deus, pátria e família são pautas caras para a fé cristã. Religião e patriotismo têm uma coesão social forte no meio evangélico e existe uma tendência de fortalecimento. Nos EUA, berço protestante, os republicanos conseguem unir grande parte de cristãos católicos e evangélicos na política, no Brasil esta unidade está em processo lento e gradual, pois é uma configuração oposta aos EUA. A espinha dorsal da disputa ideológica tem suas vertebras mais importantes a cultura e educação, e os evangélicos participam dessa disputa. Ideologicamente é possível ter alianças e pontos em comum com a chamada sociedade judaico-cristã, porém a perspectiva evangélica-protestante rejeita o Perenialismo (A tríade "Filosofia Grega", "Direito Romano" e "Cristianismo"). A cosmovisão teológica-filosófica do protestantismo é baseada em tétrade:  "Criação, Queda, Redenção e Consumação", porém há pontos convergentes para no mínimo, unir votos.

 

Acompanho o Olavo desde o site Mídia sem Máscara e as disputas com o falecido evangélico Júlio Severo, ambos dispararam acusações um contra o outro por um tempo. – O Júlio Severo foi acusado de comunista, porém declarou voto aberto em Bolsonaro em 2018 e tem tudo registrado num antigo blog (http://juliosevero.blogspot.com/2021/02/as-inverdades-de-olavo-de-carvalho.html). Deixando de lado esta polêmica, entrando em outra, Olavo (e seguidores) recentemente vem atacando o PR Bolsonaro dizendo ser crítica construtiva. Espero que esta fase rançosa passe logo e o pragmatismo do ano eleitoral retorne e as convergências superem as divergências.

 

Voltando a primeira afirmação, Olavo de Carvalho não consegue unificar tribos, ele não tem “asabiya” amplo e eficaz. Na tríade, Deus-pátria-família, ao rejeitar o iluminismo-materialismo-modernidade, defende as verdades universais das principais religiões, porém não defende a centralidade de Cristo e das Escrituras Sagradas como fez a Reforma Protestante (século XVI) ao demarcar os pilares Solus Christus e Sola Scriptura. Não há ênfase na Soberania de Cristo por parte de Olavo em sua elaboração das disputas dos esquemas de poder mundial, a qual inclui o Islã e esboça uma possível reação católica romana. Ou seja, no quesito cristandade Bolsonaro tem a cola social, a asabiya, para unificar em grande parte católicos, evangélicos e comunidade judaica brasileira. Ele mesmo se declara católico, é rebatizado no Jordão, tem esposa evangélica e muitos evangélicos estão alinhados em ministérios e parlamento, consegue unificar tribos em nível relevante. A ênfase de Olavo em valores universais ou catolicismo enfraquece sua cola social, chamar evangélico de “evanjegue” não ajuda muito nesta cola, em compensação, Bolsonaro consegue unir bandeiras com uma tolerância constantina. Ao atacar o setor militar, Olavo também enfraquece o nacionalismo patriótico, área relevante para Bolsonaro. Olavo combate os militares brasileiros, mas ama uma guerra, seu espírito belicoso suporta qualquer enfrentamento, respira, vive enfrentamento. Por estas e outras, Olavo não tem asabiya ampla.

 

Peter Valentinovich Turchin, antropólogo russo-americano, especializado em evolução cultural e cliodinâmica - modelagem matemática e análise estatística da dinâmica das sociedades históricas trabalha bem este conceito asabiya como parte da teoria da história de Ibn Khaldun. Asabiya é a cola social que une os indivíduos em grupos sociais coesos. Os grupos que possuem asabiya maiores impõem sua vontade (se não derrotar completamente) os grupos que possuem asabiya menores. E o Peter Turchin estuda como os grupos adquirem asabiya e por que a perdem. Em seu blog, Peter Turchin, usa dois personagens, um real, Ibn Khaldun, e outro fictício, protagonista do romance Duna de Frank Hebert, chamado Paul Muad'Dib. Como o herói de Duna transformou seus seguidores em guerreiros resistentes e fanáticos. A resposta: Asabiya. No decorrer da ficção Duna, o herói tem um problema, enquanto asabiya de nível tribal é uma grande cola social, tornando cada tribo uma máquina de guerra eficaz, Paul precisa unificar todas as tribos do deserto para derrotar Shaddam e os Harkonnens. Para unir os Fremen em uma única força, a asabiya tribal não é suficiente. Outro tipo de cola social é necessário, e esta cola é a religião.

 

Ibn Khaldun diz (e o Peter Turchin concorda) que Paul Muad'Dib precisou de religião. É a religião que tem o potencial de unir tribos díspares (e mais geralmente, grupos étnicos) em uma força coesa. Talvez o exemplo mais famoso seja a ascensão do Islã, quando o Profeta Muhammad uniu as tribos de beduínos árabes, o que seus sucessores levaram a conquistas da Espanha no Ocidente. Ser um líder carismático é apenas parte, ser um guerreiro é apenas uma porção, Maomé, por exemplo, não era um exímio guerreiro rústico, mas valorizou a força da espada, tinha a capacidade de incendiar seguidores e coragem; pele no jogo e sorte. Bolsonaro já provou que tem coragem ao se expor tantas vezes aos perigos tendo muitos inimigos.

 

Olavo tem carisma tribal, mas não consegue unificar muitas tribos. Tem uma grande capacidade belicosa de incendiar seus seguidores, mas não consegue unificar tribos. Olavo tem razão quando diz que conservadorismo significa fidelidade, constância, firmeza. Não é coisa para homens de geleia, então que pare de ameaçar Bolsonaro e demonstre lealdade, pois não existe amizade sem confiança nem opinião sem consequências.


Raniere Menezes

Arte de caneca -- imagem da internet




26.12.21

Escândalo para os judeus, loucura para os gregos




Escândalo para os judeus, loucura para os gregos

 

Ao longo da história os cristãos já foram acusados de todos os tipos de rótulos negativos por seus detratores [nada de novo sob o sol]. Uma das calúnias mais estranhas da história foi a acusação de CANIBALISMO.

 

Um dos motivos óbvios para isso derivou da CEIA OU EUCARISTIA, cerimônia a qual os cristãos comem e bebem a carne e o sangue de Jesus [PÃO E VINHO].

 

Realmente deve ter sido muito confuso mesmo para um politeísta romano entender isto.

 

Outra razão é que a CEIA era restrita aos cristãos e quem ficava de fora não entendia bem o que significava. Servos acusavam senhores, familiares acusavam irmãos, pais, mães etc, boatos públicos distorciam os acontecimentos privados. Inicialmente a religião cristã não pertencia ao espaço público, tudo acontecia nas casas.

 

Para os romanos dos primeiros séculos os cristãos cometiam "flagicia, scelera e maleficia" - "crimes ultrajantes", "maldade" e "más ações", e um desses crimes era acusação de canibalismo.

 

Jack Deere escreveu um texto extraordinário sobre o porquê Jesus usar uma linguagem simbólica tão chocante de comer carne e beber sangue. Segue o texto:

 

“A menos que você coma a carne do Filho do Homem e beba o seu sangue, você não tem vida em você”, disse Jesus (João 6:53). Por que Ele usaria um simbolismo tão ultrajante? A multidão de discípulos que O seguia não gostou. Isso os fez resmungar: “Este é um ensino difícil. Quem pode aceitar isso? ” (João 6:60). E isso fez com que muitos deles O abandonassem.

 

Mas por que eles O estavam seguindo em primeiro lugar? Jesus disse que eles O estavam seguindo em busca de comida (ver João 6:26). E essa é a grande tentação dos religiosos: usar Deus em vez de amá-lo, segui-lo pelo que Ele pode fazer por nós e não por quem Ele é. Os pagãos perseguiram ídolos pelo mesmo motivo. Jesus ficou feliz em fornecer comida para Seus seguidores, mas queria que soubessem que Ele era mais do que um bufê.

 

Jesus transformou o desejo deles por comida física em uma de Suas metáforas mais chocantes. Ele estava dizendo à multidão que eles O buscavam por muito pouco. Ele não era apenas o sustento da vida física, mas também a fonte da vida eterna. A metáfora tinha o objetivo de chocá-los a olhar além da superfície do milagre dos pães e peixes.

 

Jesus os advertiu de que Suas palavras não eram literais (ver João 6:63). Se ao menos tivessem ficado por aqui por tempo suficiente, teriam aprendido que Jesus usou palavras duras para frustrar os motivos impuros de todos que tentaram se aproximar dEle. Mas eles não conseguiram suportar a frustração. Eles deixaram o Pão do Céu em busca de um alimento mais materialista.

 

Quando Jesus tentou dizer a Seus seguidores que Ele era o verdadeiro alimento, “o pão que desceu do céu”, os líderes judeus à margem da multidão que o ouviram ficaram ofendidos. A liderança judaica havia caído em outra grande tentação das pessoas religiosas: servir a Deus por meio das tradições meramente humanas. [A metáfora chocante escandalizou e escondeu a chave do ensino para os judeus daquela geração].

 

O Senhor esconde Sua sabedoria no Espírito Santo para que os orgulhosos religiosamente não possam encontrá-la com seus talentos naturais. Aqueles que estão comprometidos em viver pelo poder de seus próprios intelectos não podem viver com essa ofensa em suas mentes.

 

Os 12 discípulos também não tinham ideia, mas não se ofenderam. Eles acreditavam que Jesus tinha um propósito ao usar a linguagem chocante e ficaram por perto para aprender o que Ele realmente queria dizer.

 

Resumindo: a linguagem simbólica oculta a verdade dos orgulhosos, revela a verdade mais profunda aos humildes e nos desperta quando somos tentados a usar Deus em vez de amá-Lo. Ele também faz outra coisa: afeta nossas emoções. Deus usa imagens e símbolos para intensificar nossos sentimentos. [Aqui encerra o texto de Jack Deere].

 

Hoje sabemos que um dos métodos que mais auxiliam a memória chama-se mnemônica, que faz uso de associações de ideias para reter algo na memória. Jesus conhecia profundamente a composição do ser humano integralmente e transformou os elementos carne-sangue-pão-vinho em um memorial perene na mente dos seus discípulos. Nas palavras de Jesus: “Façam isso em memória de mim”.

 

E, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim.

Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim.

Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha.

1 Coríntios 11:24-26

 

Para os cristãos não há curva do esquecimento da memória nos ensinos de Jesus, a Ceia traz à memória todos os sacrifícios de animais da Antiga Aliança e fortalece a memória através de algo que não apenas renova a mente, mas conduz graça integralmente através da memória sinestésica mais completa, pois todos os sentidos entram em ação, ao sentir o cheiro do pão e do vinho, ao comer e beber, às cores, aos sons, aos movimentos, às palavras, adoração, louvor e comunhão. Do mesmo modo no qual Jesus chocou e colocou em confusão seus críticos através do comer a carne e beber o sangue, os gregos, romanos e judeus desprezavam a ideia de uma cruz rude de madeira como algo insano e como algo sem cultura ou sabedoria, algo do mais baixo nível intelectual.

 

Por isso Jesus falava aos seus adversários: Vocês erram porque não conhecem as Escrituras. -- Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus. -- Mateus 22:29. – No Antigo Testamento, avistar o tabernáculo de longe não havia beleza de arte e estética, o último revestimento de pele que cobria o teto da tenda do tabernáculo (ver  Êxodo 26) era de pele de animais sem tingimento, com aspecto simples, sem atrativos de cores, porém por baixo havia todos os tipos de matérias nobres, ricos tecidos trabalhados, cores raras e metais preciosos, além da Arca da Aliança e outros nobres objetos da Antiga Aliança. Ao longe o tabernáculo parecia uma simples cabana feita com materiais inferiores, sem valor, de humilde aparência. -- Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. -- Filipenses 2:6-8.

 

Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, E aniquilarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação. Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria; Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos. -- 1 Coríntios 1:19-23.

 

O que parece fraqueza e loucura é o poder de Deus. A palavra "pedra de tropeço" (σκάνδαλον skandalon) significa apropriadamente qualquer coisa no caminho sobre a qual alguém pode cair; então, qualquer coisa que ofenda.  O Messias crucificado é uma grande ofensa para muitos. Como uma religião aparentemente tão desprezível teria sucesso sem o poder de Deus? Jesus nasceu em ambiente simples, cresceu como um carpinteiro em Nazaré e oferece salvação apenas pela fé. Para o cético é uma fábula, para o religioso, uma crença, mas para os discípulos, Cristo é a mais alta sabedoria. -- Nele estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento. -- Colossenses 2:3.

 

Raniere Menezes