Em vários lugares do mundo e principalmente no Brasil se comemora a Paixão de Cristo. O que muitos evangélicos não sabem é que historicamente a encenação (seja na tela do cinema ou no teatro) fere o primeiro [e também o segundo] Mandamento da Lei de Deus. Aqui vai uma lembrança para os calvinistas nas palavras do próprio Calvino:
E abominação atribuir forma visível a Deus.
Os que se apartam do Deus verdadeiro, criam ídolos para si
Capítulo 11 das Institutas, ponto I:
REPRESENTAR A DEUS POR MEIO DE IMAGENS É CORROMPER A SUA GLÓRIA
Como as Escrituras levam em conta o limitado e tacanho conhecimento humano, costumam elas expressar-se de modo acessível à mente popular, quando seu objetivo distinguir o Deus verdadeiro dos deuses falsos. Elas contrastam o Deus verdadeiro com os ídolos e, ao fazerem isso, as Escrituras não estão aprovando o que de mais sutil e elegante os filósofos ensinaram, mas estão, antes, desnudando a Loucura do mundo — mais do que isso, a sua completa Loucura—, quando, ao buscar a Deus, cada um, a todo tempo, se apega às suas próprias especulações.
Por essa razão, a definição que, por toda parte, se mostra a respeito da unicidade de Deus, reduz a nada tudo quanto os homens inventaram para si no que diz respeito à Divindade, pois somente o próprio Deus é testemunha idônea de Si Mesmo.
Por isso, pelo fato de este embrutecimento degradante ter-se apossado do mundo inteiro, de maneira que os homens procurassem representar a Deus de forma visível — forjando deuses de madeira, de pedra, de ouro, de prata ou de outro material qualquer inanimado ou corruptível —, temos de nos apegar ao seguinte princípio: Todas as vezes que se atribui a Deus qualquer forma de representação, a Sua glória é corrompida de ímpio engano. Na Lei, depois de atribuir a Si Mesmo a glória da Divindade, quando quer ensinar que tipo de adoração aprova ou rejeita, Deus acrescenta imediatamente: “Não farás para ti imagens esculpidas, nem semelhança qualquer” (Ex 20.4), palavras com as quais nos proíbe o desenfreamento de tentar representá-lo por meio de qualquer figura visível. E mostra, de maneira breve, todas as formas pelas quais, desde há muito tempo, a superstição dos homens começou a transformar a sua verdade em mentira.
2. REPRESENTAR A DEUS POR MEIO DE IMAGENS É CONTRARIAR O SEU SER
Das razões que Deus acrescenta às proibições é fácil concluir o seguinte: Primeiro, em Moisés (Dt 4.15): “Lembra-te do que o Senhor te falou no vale do Horebe: Ouviste uma voz, não viste corpo; guarda-te, portanto, a ti mesmo, para que não aconteça que, porventura, enganado, faças para ti qualquer representação”, etc. Aí vemos como Deus opõe sua voz abertamente a todas as representações, afim de sabermos que os que buscam representa-lo de forma visível se afastam dEle.
Entre os Profetas, será suficiente citar só Isaías, que é o mais enfático ao demonstrar isto, pois ele ensina que a majestade de Deus é manchada de vil e absurda invenção, quando o incorpóreo é feito semelhante à matéria corpórea, quando o invisível é representado de forma visível ou quando o espírito é feito semelhante à coisa inanimada ou, ainda, quando o imenso é reduzido a um pedaço de madeira, de pedra ou de ouro (Is 40.18; 41.7,29; 45.9 e 46.5). Paulo também raciocina de modo idêntico: “Visto que somos geração de Deus, não devemos pensar que o Divino é semelhante ao ouro, e à prata trabalhada pela arte ou invenção do homem” (At 17.29). Disto fica claro que qualquer estátua que se erige ou imagem que se pinta, para representar a Deus, simplesmente o ofende como também afronta à sua majestade.
O último parágrafo do ponto 3 diz:
Que os judeus, com entusiástica prontidão, se tenham atirado repetidas vezes — a buscar ídolos para si, com a mesma força de abundante manancial de águas borbulhantes —, aprendemos do fato de ser grande a propensão da nossa mente para com a idolatria. Por isso, atirando contra os judeus a pecha de erro que é comum a todos os homens, não durmamos o sono mortal, iludidos pelas vãs seduções do pecado.
O último parágrafo do ponto 4:
No Salmo 115, o Profeta dá ênfase à loucura que significa o fato de homens — a tal ponto dotados de inteligência — saberem que todas as coisas são movidas só pelo poder de Deus e, no entanto, implorarem auxílio de coisas inanimadas e destituídas de sensibilidade. Mas, pelo fato de a corrupção da natureza conduzir a demência tão grosseira, tanto os povos todos quanto cada indivíduo, em particular, o Espírito Santo, finalmente, fulmina com a seguinte maldição: “Tornem-se semelhantes aos ídolos aqueles que os fazem e todos os que neles põem a sua confiança” (Sl 115.8). Notemos também que são proibidas não só gravuras, mas também imagens esculpidas e, com isso, refuta-se a improcedente exceção dos gregos, pois pensam que se saem muito bem se não fazem imagem de escultura, que representem a Deus, ao mesmo tempo que se divertem fazendo gravuras desenfreadamente mais do que qualquer outra gente. Pois o Senhor proíbe não apenas que se faça imagem dEle em forma de estátua, mas também que qualquer representação dEle seja modelada por qualquer tipo de artista, visto que, desse modo, Ele é representado de maneira inteiramente falsa e com grave ofensa à sua majestade.
No ponto 6 Calvino cita a opinião de certos representantes da Patrística contra as imagens:
“...Agostinho... expressamente declara como ato abominável não só adorar imagens, mas também levantá-las a Deus. E ele não está dizendo outra coisa senão repetindo o que, muito antes, foi decretado no Concílio de Elvira, cujo cânon trinta e seis diz o seguinte: ‘Resolveu-se que não se tenha nos templos representações pictóricas, de modo que não se pinte nas paredes o que se cultua ou se adora”.
Analisando esta posição de Agostinho citada por Calvino podemos entender um pouco do porquê Agostinho não ser o grande teólogo apoiado pela Igreja Católica Romana hoje, e, sim, Tomás de Aquino. Não é difícil entender.
Tomás de Aquino, reconhecido como o grande teólogo medieval da Igreja Romana, defendia plenamente o uso das imagens, defendendo que elas deviam ser usadas para a instrução das massas que não sabiam ler e que os sentimentos religiosos eram despertados com mais facilidade com o que o povo via do que pelo ouvir.
João Calvino como um bom agostiniano era enfático:
“As imagens são indignas da majestade de Deus, porque diminuem o temor dos homens e aumentam o seu erro”. E mais: “Na estupidez das imagens e na sua infeliz e absurda invenção, pode-se facilmente desprezar a majestade divina”.
Talvez a esta altura alguém levante a seguinte objeção: Calvino não está se referindo, aqui, às imagens do Filho de Deus, e, sim, do Pai, o Deus invisível. Mas vejamos o que se segue:
Institutas 1, cap. 11, ponto 7:
AS IMAGENS DO ROMANISMO SÃO INACEITÁVEIS
Por essa razão, se os papistas tiverem um pouco de pudor, não diqam mais, de agora em diante, que as imagens são os livros dos analfabetos, porque esta afirmação está escancaradamente refutada por numerosos testemunhos da Escritura. Na verdade, mesmo que eu lhes concedesse isto, nem ainda assim, certamente, tirariam muito proveito em defender seus ídolos, pois é notória a espécie de monstruosidade que eles obrigam o povo a aceitar em lugar de Deus! De fato, que são as pinturas ou estátuas que dedicam aos santos, senão corruptíveis exemplares...
Porém, diremos também que esta não é a maneira de ensinar o povo fiel nos lugares sagrados, povo que Deus quer que seja instruído com outro tipo de doutrina. Deus ordenou que aí, nos templos, se proponha uma doutrina comum a todos, na proclamação de sua Palavra e nos sagrados mistérios. Os que são levados pelos olhos à contemplação de ídolos, em derredor —revelam que seu espírito está voltado bem pouco diligentemente para esta doutrina!
A quem, no entanto, os papistas chamam de ignorantes e cuja obtusidade não lhes permite ser ensinados senão só pelas imagens? Na verdade, chamam de ignorantes àqueles a quem o Senhor reconhece como seus discípulos, aos quais considera dignos da revelação de sua celeste sabedoria e que deseja sejam instruídos nos mistérios salvíficos do seu Reino. Certamente, admito que, na atual situação, não poucos são os que não podem dispensar as imagens como “livros”. Contudo, pergunto: De onde vem tal obtusidade senão do fato de serem eles roubados desta doutrina que, sozinha, é apta para instruí-los? E não foi por outra razão que os que presidiam às igrejas deixaram com os ídolos a função de ensinar, senão pelo fato de os próprios ídolos serem mudos! Paulo afirma que, mediante a pregação do Evangelho, Cristo é apresentado ao vivo e, de certo modo, é crucificado aos nossos olhos (Gl 3.1):
Ó gálatas insensatos! Quem vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus Cristo exposto como crucificado?
Qual seria o objetivo de, nos templos, erguerem-se, por toda parte, tantas cruzes de madeira, de pedra, de prata e de ouro, se fosse ensinado honesta e fielmente que Cristo morreu na cruz para tomar sobre si a nossa maldição? (G1 3.13):
Cristo nos resgatou da maldição da lei,
fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar
(porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro)
Sacrificando o próprio corpo para expiar nossos pecados (Hb 10.10):
Nessa vontade é que temos sido santificados,
mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas.
E lavá-los com o seu sangue (Ap 1.5):
Da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha,
o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra.
Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados.
Enfim, para reconciliar-nos com Deus, o Pai? (Rm 5.10):
Porque, se nós, quando inimigos,
fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho,
muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida.
SÓ DESSE FATO PODERIAM APRENDER MAIS DO QUE MIL CRUZES DE MADEIRA OU DE PEDRAS (PODERIAM ENSINAR), visto que os avarentos, talvez, fixam os olhos e a mente nas cruzes de ouro ou de prata, mais do que em quaisquer palavras de Deus!
Fonte: Parte de um texto escrito por Raniere Menezes publicado no Ministério CACP, sobre o filme de Mel Gibson, A Paixão. Leia na íntegra aqui.