30.1.24

A sabedoria e o poder de Deus: Reflexões a partir de Jó 9:4


No livro de Jó, capítulo 9, versículo 4, encontramos uma reflexão sobre a sabedoria e o poder divinos. Jó, mesmo diante de suas aflições, reconhece a grandiosidade de Deus, descrevendo-O como "sábio de coração e poderoso em força". Este versículo nos leva a contemplar a natureza irresistível e invencível de Deus, tanto em sabedoria quanto em poder.


No comentário de Benson, somos lembrados da infinita sabedoria de Deus, que sonda os corações e caminhos dos homens, discernindo pecados que escapam à visão humana. O poder divino é revelado como invencível na disputa, seja pela sabedoria ou pela força. Jó nos alerta que resistir a Deus é uma batalha fadada ao fracasso, pois aqueles que se endurecem contra Ele serão, em última instância, vencidos.


O breve comentário de Matthew Henry ressalta a humildade necessária ao reconhecer nossa inadequação para julgar os caminhos de Deus. Mesmo em meio às aflições, Jó destaca a importância de esquecer as queixas ao mencionar a sabedoria e o poder do Altíssimo.


Notas de Barnes sobre a Bíblia enfatizam que a resistência a Deus é fútil, pois Ele é descrito como sábio de coração, capaz de lidar com qualquer objeção, e poderoso em força, irresistível. A verdadeira sabedoria, segundo Barnes, está em concordar com os planos de Deus; a não resistir.


O comentário bíblico Jamieson-Fausset-Brown destaca a superioridade de Deus em sabedoria e força, vencendo qualquer argumento humano. A resistência a Ele é comparada a endurecer-se, e a prosperidade só é alcançada ao concordar com Seus caminhos.


Gill, em sua exposição da Bíblia, nos leva a refletir sobre a essência única e perfeita da sabedoria de Deus. Ele destaca que resistir a Deus é vão, e a verdadeira prosperidade só é alcançada ao concordar com os planos divinos.


Jó 9:4 nos convida a uma profunda reflexão sobre a grandiosidade de Deus, sua sabedoria incompreensível e seu poder inabalável. Ao entendermos a futilidade da resistência humana diante do Altíssimo, somos conduzidos à verdadeira sabedoria: concordar com os decretos divinos e encontrar prosperidade na submissão aos desígnios de Deus; esta é a sabedoria em Jó.


RM-FRASES PROTESTANTES

15.1.24

Um cordão triplo - Eclesiastes 4.12


E, se alguém prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; e o cordão de três dobras não se quebra tão depressa
. -- Eclesiastes 4:12.


Li em algum lugar que os antigos tebanos (Batalhão Sagrado de Tebas) tinham em seu exército um grupo de homens comprometidos fortemente com a amizade e o companheirismo entre si. Eram, portanto, quase irresistíveis; eles se mantinham unidos por uma união causada por um princípio vivo que os impregnava e inspirava a todos; portanto, quando o inimigo os atacava, era como o mar quebrando na costa imóvel. Se nós, como membros da igreja e irmãos cristãos, formos um só de coração, seremos irresistíveis. O Salvador reivindica nosso amor. Fomos purificados na mesma fonte preciosa, todos comemos do Pão que desceu do céu e bebemos da Rocha Espiritual. Mantenhamo-nos mais unidos do que nunca – pastores, oficiais, pessoas, enfim, pois “um cordão triplo não se rompe rapidamente”.


"Um cordão triplo não se rompe facilmente." Não sabemos disso por uma triste experiência? FOI POR CABOS COMO ESTES QUE FOMOS ORIGINALMENTE MANTIDOS EM ESCRAVIDÃO. Não sei quantos fios havia neles, quantos fios continham. Não três, talvez, trinta, ou melhor, trinta mil influências malignas estavam nos arrastando para baixo e nos mantendo firmes. Tudo o que sei é que eles não foram quebrados rapidamente. Foi necessário o querido Filho de Deus para quebrá-los, o amor do Pai e o poder do Espírito, e nossa fé e arrependimento, gerados do Alto em nossos corações. Satanás conhece o poder da unidade se não o fizermos. “O mundo, a carne e o diabo”, um trio terrível, estavam unidos contra nós. Foram as cordas deste triplo inimigo que nos mantiveram presos. Eram cordas triplas e não se quebravam facilmente. O pecado tem vários formatos e tipos. Há três palavras no Livro de Deus que descrevem o pecado, e creio que posso aplicá-las ao cordão tríplice. Existe INIQUIDADE, aquilo que está fora do prumo, ou fora da linha, ou fora do nível. Existe PECADO, errar o alvo, ir além; desviar uma flecha ou ficar aquém do alvo. Há também TRANSGRESSÃO, rompendo as regras estabelecidas por Deus, ultrapassando os limites que Ele fixou, estabelecendo marcos próprios em vez de considerar os de Deus. Cada um deles pode ser considerado como um fio na corda do pecado, e todos nós fomos presos por isso. "Um cordão triplo não se rompe rapidamente." Foram necessários anos de esforço, puxões e puxões por uma mão Onipotente para quebrar essas cordas em pedaços. Graças a Deus! Está feito, e que eles nunca mais poderão ser emendados, nem jamais lançados sobre nós como eram originalmente.


FOI POR CORDAS COMO ESTAS - cordas que não se rompem rapidamente, cordas triplas, QUE FOMOS LIBERTOS DO PODER DO PECADO. A forma da metáfora muda um pouco à medida que a usamos agora. Estávamos num buraco horrível por causa do pecado. O pecado sempre nos afunda, e estávamos afundando cada vez mais nele, e no lamaçal que estava no fundo dele. Como nos levantamos? Não havia nenhuma escada para subirmos; não abrimos entalhes no poço com nossa própria força e sem ajuda, e assim nos ajudamos a alcançar a luz e a liberdade. Não; Deus teve misericórdia de nós. Ele, na pessoa de Seu Filho, veio até a boca do poço e olhou para nós com olhos de amor. O amor de Cristo, a morte de Cristo, a ressurreição e a ascensão ao céu – são como outro cordão triplo. Assim que nossos olhos se abriram e vimos essa corda balançando, por assim dizer, diante de nós, Deus nos deu forças para saltar até ela, e Ele fez o resto; não, Ele fez isso, pois não teríamos acreditado a menos que o Espírito tivesse inspirado a fé. Ele nos atraiu com as cordas do amor.


SÃO CORDAS COMO ESTAS, cordas triplas, cordas que não se rompem rapidamente, QUE AGORA SOMOS MANTIDOS CATIVOS. Pela criação, cuja reivindicação agora entendemos melhor do que nunca; pela regeneração, para o mistério do qual eles e nós somos diariamente conduzidos; pela consagração, tanto da parte de Deus quanto da nossa, somos Seus e Dele para sempre. Essas cordas nos prendem às pontas do altar. "E agora permanecem a fé, a esperança, o amor, estes três, mas o maior deles é o amor." Penso que este é outro cordão triplo pelo qual estamos ligados; ligados uns aos outros, ligados à cruz de Cristo, ligados a este livro abençoado e ligados ao céu. (Spurgeon.)


RM-FRASES PROTESTANTES

https://biblehub.com/sermons/auth/spurgeon/a_threefold_cord.htm

14.1.24

NÃO PEÇA PROBLEMAS EMPRESTADO


Não Peça Problemas Emprestado

Lucas 12:22-28

E disse aos seus discípulos: Por isso vos digo: Não vos preocupeis com a vossa vida, com o que comereis; nem para o corpo…

 

Há uma tendência preocupante e imprudente de alguns indivíduos que escolhem, conscientemente ou não, "pegar problemas emprestados". Este comportamento insensato é comparado à prática de emprestar dinheiro, onde a não habilidade de investi-lo pode resultar em desvantagens significativas. Ainda assim, pegar emprestado dinheiro pode ter benefícios se multiplicado seu valor inicial. Mas quando se trata de antecipar problemas em geral, a ansiedade nunca é benéfica.

 

Em vez de enriquecer nossas vidas, problemas desnecessários não oferecem benefícios tangíveis. Outra comparação é feita com o ato de emprestar um bom livro, cujo estudo e leitura podem proporcionar ganhos valiosos. Um livro emprestado pode ser de grande valor ao leitor. Mas, “morrer” antecipadamente por causa de problemas, é um empréstimo nocivo, destrutivo, ao contrário de um investimento financeiro ou intelectual, que podem contribuir para nosso crescimento.

 

Nunca é bom sofrer antecipadamente por problemas, profetizando ansiosamente o mal antes mesmo de acontecer. Este mau hábito é criticado por desafiar a sabedoria convencional, levantando a questão sobre a validade de se envolver em preocupações prematuras. Ao fazer isso, corremos o risco de retirar a luz da alegria do presente, desviando nossos pensamentos do momento atual e perdendo a oportunidade de desfrutar das alegrias imediatas. Não faz sentido buscar problemas antes que naturalmente surjam em nossas vidas. Afinal, a busca antecipada de problemas pode privar-nos da experiência completa e valiosa de lidar com eles no momento adequado.

 

Ao invés de pedir emprestado problemas, devemos abraçar a incerteza da vida com uma mente aberta, confiante na Providência de Deus e concentrar-nos no presente, permitindo que os desafios se revelem no tempo certo. Afinal, é na abordagem consciente do agora que encontramos verdadeira sabedoria e a capacidade de extrair as lições valiosas que a Providência  tem a oferecer.

 

Onde está, então, a sabedoria de profetizar o mal para que possamos “pegar problemas emprestados” dele?

 

"Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal." Mateus 6:34. -- Jesus está ensinando os seus a confiarem em Deus para as provisões diárias e a não ficarem ansiosos com o futuro, reconhecendo que cada dia já tem suas próprias preocupações e desafios.

 

RM-FRASES PROTESTANTES

(Notícias da Aliança) - Adaptado

https://biblehub.com/sermons/pub/do_not_borrow_trouble.htm

12.1.24

Semente de Mostarda


Felipe Sabino, esposa e Dawson Campos (Foto: 2007) -- Monergismo e Textos da Reforma .net -- A explosão de recursos teológicos em português passou por estes caras.


Semente de Mostarda


Na virada do milênio, há 24 anos, testemunhamos um momento de expansão do conhecimento da teologia protestante, anteriormente restrito a seminários e igrejas. Na década de 2000, a conexão à Internet era discada, através de linhas telefônicas (quem lembra do barulhinho?). Nos anos 90, a Internet começou a se popularizar, mas foi nos anos 2000 que a capacidade de acesso melhorou, abrindo inúmeras oportunidades para pessoas comuns, empresas e instituições.


Em 1995, 16 milhões de pessoas estavam online em todo o mundo; hoje, mais de 5 bilhões participam das redes sociais. Nos anos 90, alguns ministérios evangélicos mais estruturados, como Fiel, Puritanos, Vida Nova, Cultura Cristã, PES e outros, deram o pontapé inicial no compartilhamento de textos de teologia reformada. No entanto, com a chegada dos anos 2000, iniciativas mais individuais surgiram e abriram caminho na trilha.


Sim, na virada do milênio, "tudo ainda era mato" na internet, e iniciativas como TEXTOS DA REFORMA .NET, do irmão presbiteriano potiguar Dawson Campos de Lima, e MONERGISMO, do irmão presbiteriano Felipe Sabino, na época ainda morando em Cuiabá, ambos ex-assembleianos, contribuíram desenvolvendo websites de teologia reformada.


Logo em seguida, ocorreu um verdadeiro "boom" de sites, uma lista enorme, crescente, e também surgiram fases de blogs, fóruns de discussões e redes sociais (Orkut). Houve um aumento significativo no número de traduções, publicações, ministérios, tecnologias como o Google Tradutor, legendas e traduções, canais e diversas mídias. Enfim, a Web 2.0 e smartphones, que amamos e odiamos!


Os sites também passaram por várias transformações e endereços; o TEXTOS DA REFORMA não perdurou por muito tempo e foi desativado, o que é uma pena, pois imagino que seria interessante acompanhar seu desenvolvimento. O ministério Monergismo, no final da década de 2000, após muitas traduções, iniciou publicações impressas e posteriormente uma editora, publicando neste tempo, milhares de textos teológicos digitais e centenas de publicações impressas ao longo das duas décadas. São apenas duas décadas!


Desde então, muitos excelentes ministérios de irmãos, assim como Dawson e Felipe, surgiram e fortaleceram o cenário de estudos de teologia protestante no Brasil. Antes da virada do milênio, tínhamos muito pouco material em português, e em 24 anos, testemunhamos um dilúvio de traduções, recursos e ferramentas, algo que ninguém poderia imaginar anteriormente. Hoje temos bibliotecas na palma da mão!


O crescimento do Reino traz consigo muitas bênçãos para equipar a Igreja, e muitas vezes esse crescimento é menosprezado como se fosse algo "natural". Sim, Deus está inundando o mundo com conhecimento, e estamos apenas arranhando a superfície do iceberg; muitos recursos ainda estão por vir, em quantidade, qualidade e velocidade. 


O mais impressionante é que a tecnologia é tão acessível que sempre achamos que ainda não evoluiu o suficiente. E, quando ela evolui, continuamos achando que ainda não evoluiu o bastante. Nessa reação de "naturalidade", "nunca está bom", "ainda vai evoluir mais", o fermento está em poderosa ação de crescimento e muitos nem percebem.


Louvo a Deus pela vida de muitos irmãos, como Dawson e Felipe, por suas iniciativas individuais, assim como muitos outros que seguiram a mesma trajetória. Muitos ministérios também enfrentaram críticas, oposições, desafios e provações, mas permanecem de pé, dando muitos frutos, em prol do Reino de Cristo. Que surjam muitos Dawsons e Felipes nesta década e nas próximas!



RM-FRASES PROTESTANTES

Salmo 49


Não temas, quando alguém se enriquece, quando a glória da sua casa se engrandece. 

Salmos 49:16


"Ouçam todos vocês, habitantes do mundo, prestem atenção!


I. O PREGADOR (Vers. 3, 4): Este é alguém com autoridade para falar e ser ouvido. Ele observa com cuidado, experiência e sabedoria, sendo inspirado do Alto. Não fala por si mesmo, mas é movido por impulsos divinos. Compartilha o conhecimento adquirido por meio de meditação e experiência, buscando esclarecer a escuridão, discernir entre o bem e o mal, desmascarar a falsidade e expor a verdade sobre Deus e a vida humana. Deve ser ouvido quando colocado entre Deus e os homens.


II. A AUDIÊNCIA (Vers. 1, 2): O chamado é para todas as pessoas, pois é de interesse universal. A atenção é fundamental para que a mensagem não seja em vão. Através da audição, alcançamos a mente, a consciência, os afetos, a fé e tudo o que é bom. As mudanças ocorreram e ocorrerão, mas o assunto é relevante para todos os tempos. Ricos e pobres devem ouvir e considerar sabiamente, pois a verdade proclamada é respaldada pela experiência ao longo do tempo.


III. O DISCURSO: O tema (ver. 5) sugere que os ímpios podem enriquecer e usar sua riqueza injustamente, com força e boa sorte ao seu favor. Perseguem seus objetivos egoístas sem restrições, às vezes, parecendo que Deus se agrada. O desafio é entender por que o julgamento demora; parece atrasar. O salmista apresenta a visão de discernir entre a verdade e a falsidade, destacando que, apesar da aparente prosperidade dos ímpios, seu estado interior é mau e seu fim é a morte. Os justos, apesar das provações, têm paz e riqueza espiritual, em diversas situações circunstanciais.


Os argumentos que reforçam essas verdades são poderosos: a impotência da riqueza em emergências, a transitoriedade das posses terrenas, a degradação do caráter humano pela cobiça e orgulho, e o final miserável dos ímpios em contraste com o final feliz dos justos. A conclusão é: "Não tenha medo" (vers. 5, 16). As lições apresentadas estão nas Sagradas Escrituras e no ensino de Jesus, esclarecidas para que ninguém tenha desculpas por suposta ignorância. Ao compreender essas verdades, nossa fé cresce, nossa coragem se intensifica, e podemos enfrentar os momentos difíceis sem medo.


Em suma, a riqueza material não salva o homem em todas as situações, são transitórias, a cobiça e o orgulho degradam o coração, e confiar na riqueza como um deus trará finalmente condenação, pois a salvação pertence somente ao Senhor.


Extraído: https://biblehub.com/sermons/auth/forsyth/be_not_afraid.htm

6.1.24

O pecado do silêncio - Alexandre Maclaren


O pecado do silêncio

Alexandre Maclaren


Porque, se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se não anunciar o evangelho! E por isso, se o faço de boa mente, terei prêmio...

1 Coríntios 9:16,17.


A referência original destas palavras é sobre princípio e prática do Apóstolo de não receber dinheiro das igrejas para seu sustento. A exposição de sua razão é interessante e cavalheiresca. Ele afirma veementemente seu direito, mesmo quando declara que renunciará a ele. A razão de sua renúncia é que ele deseja ter a seu serviço algo além do estrito cumprimento de seu dever. Sua pregação em si, com todas as suas labutas e misérias, era apenas parte de seu trabalho diário, que ele foi convidado a fazer, e por isso ele não merecia agradecimentos nem elogios. Mas ele gostaria de realizar seu ministério com alegria, com prazer, além daquilo que lhe foi ordenado a fazer.


Nesta exposição, temos dois grandes princípios que agem no Apóstolo - um, seu profundo senso de obrigação, e o outro, seu desejo de fazer mais do que era obrigado a fazer, porque ele amava muito seu trabalho. E embora ele esteja falando aqui como um apóstolo, e seu exemplo não deva ser transferido incondicionalmente para nós, ainda assim penso que os motivos que motivaram sua conduta são capazes de aplicação a nós mesmos.


Há três coisas aqui. Existe a obrigação da pregação da palavra, existe a penalidade do silêncio e existe a obediência alegre que transcende a mera obrigação.


I. Primeiro, a obrigação do discurso.


Não há dúvida de que o apóstolo tinha, num sentido especial, uma “necessidade imposta” a ele, que foi imposta pela primeira vez naquela estrada para Damasco, e repetida muitas vezes em sua vida. Mas embora ele difira de nós na comissão sobrenatural direta que lhe foi dada, na amplitude da esfera em que teve que trabalhar e no esplendor dos dons que foram confiados à sua mordomia, ele não difere de nós. Na realidade da obrigação que lhe foi imposta, todo homem cristão está tão verdadeiramente obrigado quanto Paulo a pregar o Evangelho. A comissão não depende da exclusividade apostólica. Jesus Cristo, quando disse: 'Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura', não estava falando aos onze somente, mas a todas as gerações de Sua Igreja. E embora existam muitos outros motivos nos quais podemos basear o dever cristão de propagar a fé cristã, penso que seremos ainda melhores se nos basearmos neste mandamento distinto e definido de Jesus Cristo, cujo domínio abrange todos os que por si mesmos descobriram que o Senhor é gracioso.


Pois esse mandamento é permanente. É exatamente contemporâneo na duração da promessa que lhe está anexada, e quem se expõe à luz desta última está vinculado ao preceito da primeira. 'Eis! Estou sempre convosco, até ao fim do mundo', define a duração da promessa e define também a duração do dever. É a Igreja que “vai por todo o mundo e prega o Evangelho a toda criatura”, a ela é feita a promessa de uma presença permanente.


Lembremo-nos também que, sendo esta comissão dada a toda a Igreja, ela é obrigatória para cada membro individual da Igreja. Há uma falácia muito comum, que não se limita a este assunto, mas que se estende a todo o campo do dever cristão, pela qual as coisas que são obrigatórias para a comunidade são retiradas dos ombros do indivíduo. Mas temos que lembrar que toda a Igreja nada mais é do que a soma total de todos os seus membros, e que nada lhe incumbe que não seja, em sua medida, incumbência de cada um deles. Tudo o que Cristo diz a todos, Ele diz a cada um, e a comunidade não tem deveres que você e eu não temos.


É claro que existem diversas formas de obediência a este mandamento; é claro que as restrições de localidade e as outras obrigações da vida vêm para modificá-la; e não é dever de todo homem vagar pelo mundo inteiro fazendo esse trabalho. Mas o trabalho direto de comunicar a outros que não conhecem o poder de Jesus Cristo pertence a todo homem cristão. Vocês não podem sair das fileiras, como costumavam fazer em outras áreas da vida, pagando por um substituto, terceirizando. Ambas as formas de serviço são obrigatórias para cada um de nós. Todos nós, se sabemos alguma coisa sobre Cristo, Seu amor e Seu poder, somos obrigados, pelo fato de sabermos, a contá-lo àqueles a quem podemos alcançar. -- A quem muito é dado, muito será cobrado.


Todos vocês têm congregações, se procurarem por elas. Não há homem ou mulher cristã neste mundo que não tenha alguém com quem possa falar do Evangelho com mais eficiência do que qualquer outra pessoa. Você tem seus amigos, seus parentes, as pessoas com quem você tem contato diário, se não tiver congregações mais amplas. Vocês não podem todos se levantar e pregar no sentido em que eu faço isso. Mas este não é o significado da palavra no Novo Testamento. Não implica necessariamente um púlpito, nem um discurso definido, nem uma multidão reunida; implica simplesmente a tarefa de proclamação de um arauto. Todos que encontraram Jesus Cristo podem dizer: 'Encontrei o Messias', e todos que O conhecem podem dizer: 'Venha e ouça, e eu contarei o que o Senhor fez por minha alma'. Já que você pode fazer isso, você é obrigado a fazê-lo; e se você é um dos 'cachorros mudos, deitados e amantes do sono', dos quais existem multidões que paralisaram suas energias e enfraqueceram o testemunho de cada Igreja na terra, então você está criminosa e suicidamente alheio a uma obrigação que é uma alegria e um privilégio, tanto quanto um dever.


Ah, irmãos! Quero deixar isso claro na consciência de todos vocês, cristãos, que nada pode absolvê-los da obrigação de falar pessoal e diretamente com alguém sobre Cristo e Sua salvação. A menos que você possa dizer: Eu não reprimi meus lábios, ó Senhor! Mas, além deste esforço direto, existem outros métodos indiretos pelos quais este mandamento pode ser cumprido, sobre os quais não preciso dizer mais nada aqui.


O ideal de Jesus Cristo para Sua Igreja era uma propaganda ativa, um exército no qual não houvesse não-combatentes, embora alguns dos combatentes pudessem ser destacados para permanecer no acampamento e cuidar do material, e outros deles pudessem estar na vanguarda da batalha. Mas esse ideal já foi cumprido em alguma de nossas igrejas? Quantos entre nós existem que não fazem absolutamente nada na forma de trabalho cristão! Alguns de nós parece pensar que o princípio voluntário sobre o qual as nossas igrejas significa: 'Não preciso fazer nada a menos que eu queira. A inclinação é o guia do dever, e se eu não quiser tomar parte ativa no trabalho de nossa igreja, ninguém terá nada a dizer.' Ninguém pode me forçar, mas se Jesus Cristo me disser: 'Vá!' e eu disser: 'Prefiro não'. Jesus Cristo e eu temos que acertar as contas, o que deveria causar temor e tremor. E se o princípio da obediência cristã é um coração disposto, então o dever do cristão é garantir que o coração esteja disposto.


Uma obrigação rigorosa, de não nos deixarmos abater por nenhuma das desculpas que apresentamos, é imposta a todos nós. Desculpas são inúteis. Há muita nesta geração que tende a esfriar o espírito missionário. Sabemos mais sobre o mundo pagão do que da vida missionária. Assumimos, muitos de nós, ideias mais brandas e misericordiosas sobre a condição daqueles que morrem sem conhecer o nome de Jesus Cristo. E todas essas razões minam um a força e esfriam o fervor de muitos cristãos hoje em dia. O mandamento de Jesus Cristo permanece exatamente como era. Que ninguém se engane.


Então alguns de nós dizem: 'Prefiro trabalhar em casa!' Bem, se você está fazendo tudo o que pode e realmente se dedica com entusiasmo a uma fase do serviço cristão, o grande princípio da divisão do trabalho surge para garantir que você não entre em outros campos que outros cultivam. Mas, a menos que você esteja investindo todas as suas energias no trabalho que diz preferir, não há razão para que você não faça nada na outra direção. Jesus Cristo ainda diz: 'Ide por todo o mundo'.


Então alguns de vocês dizem: 'Bem, eu não acredito muito em suas sociedades missionárias. Há muito desperdício de dinheiro com eles. Há uma série de coisas que aprovo. Tenho ouvido histórias sobre missionários que são muito ociosos, recebem bom salário e trabalham muito pouco.' Bem, que seja! Muito provavelmente isso é parcialmente verdade; embora eu desconheça que missionários em terras estrangeiras desfrutem de vida luxuosa. Imagino que muitos deles, se andassem pelas ruas de uma cidade inglesa, teriam relatos diferentes, como quando andam pelas ruas de uma cidade indiana. Mas seja como for, será que essa acusação passa uma borracha no mandamento de Jesus Cristo? Certamente não! Cristo ainda diz: 'Ide por todo o mundo!'


Às vezes, atrevo-me a pensar que chegará o dia em que a condição de ser recebido e retido da comunhão de uma igreja cristã será a obediência a esse mandamento. Ora, até as abelhas têm o bom senso, em determinada época do ano, de expulsar os zangões das colmeias e matá-los com ferroadas. Não recomendo a última parte do processo, mas tenho a certeza de que seria um benefício para todos nós, tanto para os expulsos como para os retidos, que nos livrássemos desse peso adicional que obstrui todas as comunidades organizadas, nesta e em outras terras – o peso morto dos preguiçosos que dizem ser discípulos de Cristo. Quer seja uma condição de membro da igreja ou não, estou certo de que é uma condição de comunhão com Jesus Cristo, e uma condição, portanto, de saúde na vida cristã, que deve ser uma vida de obediência ativa a este claro comando imperativo, permanente e universal da Grande Comissão.


II. Em segundo lugar, uma palavra sobre a penalidade do silêncio.


'Ai de mim se não pregar o Evangelho.' Deixe-me apontar, em uma ou duas palavras, as penalidades claras do silêncio hoje, e as terríveis penalidades do silêncio no futuro.


'Ai de mim se não pregar o Evangelho.' Se você é um professor mudo e ocioso da verdade de Cristo, acredite, sua ociosidade muda lhe roubará muita comunhão com Jesus Cristo. Há muitos cristãos que seriam muito mais felizes, mais alegres e mais seguros se falassem sobre Cristo para outras pessoas. Por terem trancafiado a palavra de Deus em seus corações, ela se dissipa sem ser conhecida, e eles perdem mais do imaginam, perdem a doçura, a alegria e confiança garantidas como promessas. Se você quer ser um cristão feliz, trabalhe para Jesus Cristo. Não estabeleço isso como algo específico por si só. Há outras coisas a serem consideradas em conjunto com isso, mas ainda assim permanece verdade que a desgraça de um cristianismo lânguido se aplica aos homens que, sendo cristãos professos, ficam calados quando deveriam falar e ociosos quando deveriam trabalhar.


Há, ainda, a desgraça de uma vida egocêntrica. E há, ainda, a desgraça da perda de uma das melhores maneiras de confirmar a própria fé na verdade, a de procurar transmiti-la a outros. Se você quer aprender alguma coisa, ensine. Se você quiser compreender os princípios de qualquer ciência, tente explicá-la a alguém que não a entenda. Se você quer saber onde, nestes dias de disputas e controvérsias, está o verdadeiro e vital Evangelho, e qual é a parte essencial da revelação de Deus, vá e conte aos homens pecadores sobre Jesus Cristo que morreu por eles; e você descobrirá que é a Cruz, e Aquele que morreu nela, que é o poder que pode mover o coração dos homens. E assim você se apegará com mais força, em dias de dificuldade e inquietação, àquilo que é capaz de trazer luz às trevas. Ah, irmãos! Não há maior alegria acessível a um homem do que sentir que através das suas pobres palavras Cristo entrou no coração de um irmão. E vocês não devem jogar fora tudo isso porque fecharam a boca e negligenciaram o claro mandamento do seu Senhor.


Sim! Mas isso não é tudo. Há um futuro a ser levado em conta, e penso que os cristãos percebem muito pouco esta verdade solene. Se um homem guardou os mandamentos de seu Mestre ou os negligenciou, acredito que, embora uma fé muito imperfeita salve um homem, existe algo como ser “salvo como se fosse pelo fogo”, e que também existe algo como ter um ministério abundante e produtivo para o Reino. Aquele cuja vida foi influenciada pelos princípios cristãos, e que negligenciou deveres claros e imperativos, não permanecerá no mesmo nível de bem-aventurança que o homem que se entregou mais completamente na vida ao poder constrangedor do amor de Cristo, e procurou guardar todos os Seus mandamentos.


O céu não é um nível morto. Cada homem ali receberá tanta bem-aventurança quanto a graça é capaz de dar, mas as recompensas variarão, e o principal fator que determina a bem-aventurança, será o rigor da obediência a todas as ordenanças de Cristo no decorrer da vida na terra. Embora saibamos, e portanto ousemos dizer, pouco sobre se fala quanto ao futuro (Ap 22.12), peço-lhe que leve isso a sério. Com certa liberdade poética podemos dizer, alguns dirão na presença gloriosa de Deus: "Eis-me aqui, eu e nossos irmãos, filhos eleitos de Deus, que trouxe comigo, que pela graça sejam concedidas coroas brilhantes; o galardão da graça", enquanto outros se salvaram pela mesma graça e não trouxeram ninguém com eles. O elemento principal é a obediência ao mandamento que os torna apóstolos e missionários do seu Senhor. -- [Que seja estabelecido que as nossas obras são, de fato, recompensadas. A Escritura ensina isso em mais de um lugar -- por exemplo, Mt. 5:12; 6:4, 6, 18; 10:41; 16:27; Lucas 6:23, 35; 1Co. 3:8; 2Co. 5:10; Hb. 11:6 --. Um incentivo para praticar boas obras enquanto estamos aqui na Terra é o galardão que receberemos na glória.]


III. Por último, observe a alegre obediência que transcende os limites da obrigação.


‘Se eu fizer isso de boa vontade, terei uma recompensa.’ Paulo desejava trazer um pouco mais do que o necessário, em sinal de seu amor ao seu Mestre e de sua grata aceitação do dever. O artista que ama seu trabalho colocará mais trabalho em seu quadro do que é absolutamente necessário, e se demorará nele, esbanjando-lhe diligência e cuidado, porque está apaixonado por sua tarefa. O servo que procura fazer o mínimo que pode não é movido por motivos elevados. O comerciante que mal coloca na balança o peso suficiente para equilibrar o peso do outro é relutante em suas negociações; mas aquele que, com mão liberal, dá "uma boa medida, calcada, sacudida e transbordante" (Lc 6.38), dá porque se deleita em dar. -- [A árvore é conhecida pelos seus frutos; que a palavra de Cristo seja tão enxertada em nossos corações que possamos ser frutíferos em toda boa palavra e obra].


E assim é na vida cristã. Há muitos de nós cuja pergunta parece ser: 'Com quão pouco posso me safar? Quanto posso reter?' - muitos de nós cujo esforço é descobrir até que ponto o mundo é consistente com a profissão do Cristianismo e encontrar o mínimo de esforço, de amor, de serviço, de dons que possam nos libertar da obrigação.


E o que isso significa? Isso significa que somos escravos ingratos. Isso significa que, se ousássemos, não daríamos nada e não faríamos nada. E o que isso significa? Significa que não nos importamos com o Senhor e não temos alegria no nosso trabalho. E o que isso significa? Significa que o nosso trabalho não merece elogios e não receberá recompensa. Se amamos a Cristo, estaremos ansiosos, se for possível, em fazer mais do que Ele nos ordena, em sinal de nossa lealdade ao Rei e de nosso prazer no serviço. É claro que, na visão mais elevada, nada pode ser menos do que o necessário. É claro que Ele tem direito a todo o nosso trabalho; mas ainda assim existem alturas de consagração cristã e auto-sacrifício que um homem pela graça não será culpado se não tiver escalado, e será elogiado se o tiver feito. O que queremos, se assim posso dizer, é abundância de serviço. Judas pode dizer: 'Para que serve esse desperdício?' Mas Jesus dirá: Deus Pai 'fez uma boa obra em Mim', e a fragrância do unguento terá um cheiro doce através dos séculos.


Portanto, queridos irmãos, o resultado de tudo isso é: não façamos nosso trabalho cristão com relutância, caso contrário, será apenas um trabalho de escravo ingrato, e não há nenhuma bênção neste tipo de trabalho com má vontade, e nenhuma recompensa nos virá disso. Não perguntemos: 'Quão pouco posso fazer?' Mas 'Quanto posso fazer?' Assim, não ofereceremos em holocausto ao Senhor aquilo que não nos custa nada. Por sua parte, Ele deu a maravilhosa graça como sinal de Seu amor. A mordomia é um sinal de que Ele confia em nós, o dever é uma honra, o fardo é uma graça, leve, não pesado. De nossa parte, busquemos a alegria do serviço que não se contenta com a mera quantia do tributo que é exigido, mas dá algo a mais, o melhor possível, por causa do nosso amor a Ele. Aqueles que assim dão a Jesus Cristo todo o seu amor, esforço e serviço, receberão tudo de volta cem vezes mais, pois o Mestre não ficará em dívida com nenhum de Seus servos, e Ele diz a todos eles: 'Eu pagarei isso, porém eu não te digo como tu me deves.' -- Eu, Paulo, de minha própria mão o escrevi; eu o pagarei, para te não dizer que ainda mesmo a ti próprio a mim te deves.  (Filemom 1:19). -- Em outras palavras: "Pagarei tudo, não se preocupe, e não preciso fazer com que você lembre que me deve a sua própria vida. -- Somos todos devedores.


FRASES PROTESTANTES

Texto original: https://biblehub.com/sermons/auth/maclaren/the_sin_of_silence.htm

1.1.24

Vida Escatológica


Vida Escatológica

por Gabriel N. E. Fluhrer


O termo "escatologia" e seu significado são objetos de desconhecimento e confusão para muitos cristãos. Muito disso se deve à forma como a escatologia tem sido ensinada. Na maioria das vezes, limita-se ao estudo dos últimos acontecimentos que precederam o retorno de Cristo. Certamente, não é menos do que um estudo dessas coisas, mas é também muito mais. A escatologia está entrelaçada na trama de cada versículo das Escrituras. Portanto, a vida escatológica é a promessa trinitária e pactual da revelação de Deus para nós.


Ainda assim, muitos cristãos se perguntam o que o caráter escatológico da Bíblia significa para sua vida diária. Neste artigo, focaremos em dois aspectos da vida escatológica. Primeiro, examinaremos a vida escatológica como vida no reino. Em segundo lugar, traçaremos a vida escatológica no que se refere à nossa união com Cristo, forjada pelo Espírito.


O foco central do ministério de Cristo foi o reino de Deus – antecipado no Antigo Testamento, inaugurado pela primeira vinda de nosso Senhor, explicado no restante do Novo Testamento e consumado na segunda vinda de Jesus. A vida escatológica começa com a compreensão de que os cristãos vivem como cidadãos do reino de Deus (Filipenses 3:20). Como essa mentalidade centrada no reino afeta a maneira como vivemos?


Enquanto os cristãos esperam pela consumação do reino, eles servem com esperança e alegria insaciáveis, sabendo que nada do que fazem é em vão se for feito para o Senhor.


Algumas coisas vêm à mente. Ser cidadão do reino significa que somos, acima de tudo, pobres de espírito (Mateus 5:3). Este é o ponto de entrada inegociável, a "porta de entrada" do reino – e é por isso que Jesus a lista em primeiro lugar nas Bem-aventuranças. Ser pobres de espírito significa que reconhecemos a nossa necessidade de um salvador dos nossos pecados e renunciamos diariamente a todas as formas de autossuficiência.


Além disso, o ensino de Jesus sobre o reino lembra-nos de ajustar as nossas expectativas. O reino cresce lentamente, no ritmo soberano de Deus (Mateus 13:31-33). Grande parte da confusão sobre a missão da igreja hoje decorre da crença equivocada de que a principal tarefa da igreja é transformar a cultura ao seu redor. Mas a transformação cultural, na medida em que acontece, é um subproduto da cidadania do reino, e não o objetivo. Expectativas exageradas são um caminho seguro para o esgotamento e a decepção.


Os cidadãos do Reino, portanto, olham para o futuro enquanto vivem no presente. O crente anseia que Jesus introduza o reino em sua plenitude (Ap 21–22). Mas enquanto os cristãos esperam pela consumação do reino, eles servem com esperança e alegria insaciáveis, sabendo que nada do que fazem é em vão se for feito para o Senhor (1 Coríntios 15:58).


Finalmente, a vida escatológica é a vida em união com Cristo. Visto que Cristo foi o último Adão cheio do Espírito (Lucas 4:18; 1 Coríntios 15:45), nós que estamos unidos a Ele desfrutamos do mesmo enchimento do Espírito. Portanto, no momento em que estamos unidos a Cristo pela fé forjada pelo Espírito (João 3:5), somos nada menos que cheios do Espírito, batizados pelo Espírito e controlados pelo Espírito. A habitação do Espírito é Cristo em nós, a esperança da glória (Colossenses 1:27).


Como resultado desta união, vivemos uma vida "já/ainda não" em Cristo. Fomos crucificados com Ele (Romanos 6:6), mas carregamos a cruz diariamente (Lucas 9:23). Já ressuscitamos com Ele (Colossenses 2:12), mas ansiamos pela ressurreição final (1 Coríntios 15:52). Esta tensão escatológica de "já/ainda não" destaca o foco duplo da vida no reino.


À medida que começamos a compreender a realidade da cidadania do reino e da união com Cristo, descobrimos riquezas incomparáveis. Temos verdadeira esperança, não importa as circunstâncias, porque reconhecemos que este presente século mau (Gl 1.4) não é o nosso lar; o reino é. Recorremos diariamente ao poder do Espírito em nossa oração e em nossa mentalidade. Ao fazermos isso, a promessa de Jesus de águas vivas fluindo de nós torna-se uma realidade (João 7:37). O domínio do pecado se afrouxa e somos transformados de um grau de glória a outro em Cristo (2 Coríntios 3:18). A vida cristã, então, é vida escatológica, do início ao fim.


Em nossas vidas frenéticas e livres do sábado, precisamos de descanso, recuperação e rejuvenescimento para continuar em um mundo que faz tudo o que pode para tirar a ênfase da vida escatológica. Espero que o breve esboço acima abra uma porta para desfrutarmos a vida como Deus a planejou – transbordando do Espírito, unidos a Cristo, para a glória do Pai.


Tradução: Frases Protestantes


[Link para o artigo: https://tabletalkmagazine.com/article/2022/12/eschatological-living/]

BREVE COMPARAÇÃO ENTRE PÓS-MILENISMO E AMILENISMO, PONTOS FRACOS E FORTES


BREVE COMPARAÇÃO ENTRE PÓS-MILENISMO E AMILENISMO, PONTOS FRACOS E FORTES



Tanto os pós-milenistas quanto os amilenistas compartilham a ideia de que a era milenar antecede o retorno de Cristo e a consumação. Assim sendo, as fortalezas e fraquezas estruturais de cada posição são semelhantes. A diferença marcante entre o pós-milenismo e o amilenismo reside na interpretação da natureza e do caráter da era milenar.


A principal fortaleza do pós-milenismo está na sua ênfase no otimismo histórico em relação ao Reino de Deus e ao seu poder de transformar povos da Terra antes do retorno de Cristo. Os pós-milenistas ampliam a compreensão do Reino de Deus para além das questões espirituais, abrangendo também a transformação da cultura. Obviamente, esta influência cultural vem a partir das conversões individuais e sociais, pela capilaridade da expansão da Fé Cristã nas diversas camadas da sociedade. É um erro pensar que o pós-milenismo crê que o mundo todo será convertido e que Jesus retorna a uma terra totalmente redimida, mas grande parte redimida, sim! Já para o amilenismo, Jesus retornará a uma terra tão devastada quanto Sodoma e Gomorra.


Um ponto fraco do pós-milenismo é a ampla discussão da era milenar – “quando começam os mil anos?” – Alguns deslocam a agulha temporal ao passado e outros para o futuro. Outros posicionam esta agulha histórica na conversão dos judeus, outros na derrubada do Anticristo (este podendo ser um imperador romano do primeiro século ou o chefe do Romanismo desde a Reforma Protestante ou ainda outra figura poderosa religiosa ou política na história). E por essa diversidade e outros fatores, o mesmo ponto fraco acomete o amilenismo. Neste nó interpretativo, alguns preferem refugiar-se no extremo do passado, pois na incerteza do retorno de Cristo no curso da história, se iminente ou não, existe para alguns uma atração pelo preterismo (total ou parcial), pelo entendimento de que Cristo já regressou em julgamento sobre Israel no ano 70 d.C. Este regresso em juízo para alguns é equivalente à Segunda Vinda ou apenas uma visitação de juízo. Neste sentido, são pontos fracos, pela falta de unanimidade no ensino, tanto entre pós-milenistas quanto amilenistas.


Esta incerteza interpretativa escatológica que pode cooperar para que surjam preteristas totais numa extremidade faz também, de algum modo, conduzir outros ao extremo do futurismo tribulacionista, como os amilenistas, que posicionam os eventos do retorno iminente de Cristo à consumação de todas as coisas, eventos que culminam na plenitude do Reino e da era vindoura. Cristo retornará para julgar o mundo (Mateus 13:36-43; Mateus 25:31-46; 2 Tessalonicenses 1:6-9), ressuscitar os mortos (1 Tessalonicenses 4:14-17; 1 Coríntios 15:54-57) e fazer novas todas as coisas (2 Pedro 3:3-15). Ele não retorna para estabelecer um reino (como no pré-milenismo), mas para inaugurar o estado eterno e criar um novo céu e nova terra – a consumação final. Toda a cadeia de eventos é semelhante ao pós-milenismo, com exceção do contexto histórico de declínio e decadência, de apostasia e tribulação que supostamente antecede a Segunda Vinda de Cristo.


A maior fraqueza do amilenismo é a interpretação da contenção dos grilhões das amarras de Satanás em Apocalipse 20. Se Satanás está preso e já estamos no milênio, como tudo vai piorar? Pela perspectiva amilenista, podemos realmente dizer que Satanás está preso agora? E quanto à primeira ressurreição em Apocalipse 20? João está se referindo à regeneração ou à ressurreição corporal? Estas questões requerem uma boa quantidade de explicação, especialmente porque a maioria dos evangélicos conhece apenas a visão pré-milenista. Mas o amilenismo não deve explicações apenas aos dispensacionalistas.


RM-FRASES PROTESTANTES


Referência: http://kimriddlebarger.squarespace.com/the-latest-post/2008/1/9/eschatology-q-a-what-are-the-strengths-and-weaknesses-of-the.html



28.12.23

OS FRUTOS DA AMIZADE: O CORDÃO TRIPLO


Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho.

Porque se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só; pois, caindo, não haverá outro que o levante.

E, se alguém prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; e o cordão de três dobras não se quebra tão depressa. 

Eclesiastes 4:9-12


Na era em que vivemos, valorizamos principalmente a utilidade das coisas. As pessoas questionam tudo, perguntando: "Qual é o seu propósito (Valor; utilidade) prático?" Nada escapa à crítica, seja a lei devido à sua autoridade ou a religião devido à sua sacralidade. Até mesmo os relacionamentos, como o casamento, que eram considerados intocáveis por muito tempo, agora são examinados de perto por sua utilidade. Os homens perguntam de tudo: Qual é a sua utilidade?


Embora seja positivo avaliar as coisas criticamente, esse espírito utilitarista pode ser levado a extremos absurdos. As críticas são inevitáveis e úteis, desde que apliquemos padrões adequados. Ao julgar algo por sua utilidade, devemos ampliar nossa visão além do valor material. A utilidade para os seres humanos não se limita apenas a aspectos tangíveis. Os padrões de mercado comuns não se aplicam a todos os aspectos da vida. Há coisas que não podem ser compradas ou vendidas, e avaliar esses itens não comerciáveis é um desafio para até mesmo o avaliador mais perspicaz.


Quando tentamos destacar os benefícios da amizade, estamos alinhados com a mentalidade crítica de nossa época. Mesmo que fosse comprovado que alguém poderia obter mais benefícios materiais vivendo de forma independente, sem depender da sorte, não significaria automaticamente que se livrar dos laços humanos comuns seja uma escolha positiva. Neste contexto, a advertência de que a utilidade vai além do mero ganho material ainda se aplica. A utilidade supera simples ganhos materiais. Na busca pela realização pessoal não egoísta, a importância de uma experiência ou conquista vai além do simples ganho material. -- O utilitarismo é uma teoria ética que preconiza ações ao maximizar a felicidade e minimizar o sofrimento, baseando-se nas consequências. Desenvolvida por pensadores como Bentham e Mill, inclui variantes como o hedonismo, focado no prazer, e o preferencialismo, considerando preferências individuais.


Mesmo sob essa perspectiva utilitarista, a amizade é justificada. Dois são melhores do que um, pois compartilham uma recompensa pelo esforço conjunto. O princípio da associação nos negócios é amplamente aceito hoje em dia, envolvendo acordos de pagamento, divisão de trabalho e lucro. A maioria das transações comerciais ocorre por meio de empresas, parcerias ou empreendimentos colaborativos. Quanto mais estreita for a ligação entre as pessoas envolvidas, com desejos e objetivos comuns, respeito mútuo e confiança, e, se possível, amizade, maiores são as chances de sucesso. Do ponto de vista da recompensa individual, dois são melhores do que um, e uma corda tripla não se rompe facilmente, ao contrário de um único fio.


Quando os seres humanos entenderam, mesmo de maneira rudimentar, que a união gerava força, começou o surgimento da civilização. Tanto para a defesa quanto para o ataque, ficou claro desde cedo que o princípio da associação era crucial para a sobrevivência. Ao longo da história, seja nas batalhas entre diferentes grupos, no comércio ou no desenvolvimento de ideias, a força da união prevaleceu. Até mesmo como método religioso para impactar o mundo, esse princípio se mostrou verdadeiro. João do Deserto impactou vidas de toda uma região, e Jesus de Nazaré, ao procurar discípulos e fundar uma sociedade, tocou o coração do mundo.


Não é preciso insistir neste ponto que "dois são melhores do que um" em uma era comercial como a nossa, que, mesmo que não compreenda totalmente, pelo menos entende a aritmética básica. Pode-se pensar que, pela lei da adição, dois são o dobro, e pela lei da multiplicação, são o dobro do número. Mas, quando lidamos com seres humanos, essas regras nem sempre se aplicam corretamente. Nesta área, a combinação de um e um nem sempre resulta em dois. Às vezes, é mais do que dois, e às vezes, menos do que dois. A união, que pode representar força, também pode representar fraqueza. A história de Gideão, que teve que reduzir seu exército antes de ser prometida a vitória, ilustra isso. Os frutos da amizade nem sempre são positivos e podem ser prejudiciais. A recompensa do trabalho de dois nem sempre é maior do que a de um. O menino que puxa um carrinho tem sorte se encontrar alguém para empurrá-lo, mas se essa pessoa parar de ajudar e se sentar no carrinho, a situação fica pior do que no começo. Um cordão triplo com dois fios ruins pode ser pior do que um único fio forte.


Na economia social, é claro que a sociedade não é apenas a soma de suas partes individuais. A ideia de que "dois são melhores que um" vai além da simples duplicação de força. Pode-se afirmar que dois juntos são melhores do que dois separados, pois introduzem um novo elemento que amplia o poder de cada indivíduo isoladamente. Um exemplo disso é a entrada de Man Friday na vida de Robinson Crusoé. Friday trouxe consigo mais do que seu valor individual, representando para Crusoé a sociedade, todas as possibilidades da política social e a satisfação dos instintos sociais. A convivência de ambos significava mais do que viver em ilhas desertas separadas. A sinergia de dois indivíduos não apenas duplica, mas amplia o poder de cada um.


Essa estranha contradição da matemática se reflete na relação entre amigos. Cada pessoa contribui e recebe, e o resultado dessa interação é maior do que cada um possui individualmente. Toda relação individual tem uma conexão com algo universal. Buscar uma vida mais rica em amizade verdadeira é algo fascinante, pois leva a algo além de si mesmo e abre a porta para comunhão. Sentimos uma conexão com a humanidade como um todo, não mais como unidades isoladas, mas como parte das grandes forças sociais integradas que moldam a humanidade. Cada laço que une as pessoas é um argumento adicional para a continuidade da vida e oferece uma nova perspectiva sobre seu significado. O amor é tanto uma promessa quanto um penhor para o futuro.


Além dos benefícios da Criação, talvez um tanto inexplicáveis, existem muitos frutos práticos da amizade para o indivíduo. Esses benefícios podem ser classificados e subdivididos quase indefinidamente, e, de fato, em cada amizade específica, os frutos variarão de acordo com o caráter, proximidade do vínculo e habilidades individuais de cada parceria. Um amigo pode oferecer simpatia, assistência ou preencher uma necessidade social que esteja faltando no caráter ou nas circunstâncias do outro. Os três nobres frutos da amizade enumerados por Bacon - paz, aconselhamento justo e ajuda em todas as ações e ocasiões - resumem bem essa diversidade.


Satisfação do coração


Em primeiro lugar, há a satisfação do coração. Não podemos viver uma vida centrada apenas em nós mesmos sem sentir que perdemos a verdadeira glória da existência. A natureza humana foi feita para a interação social, para um intercâmbio civilizacional, permitindo o desenvolvimento das qualidades mais elevadas de nossa natureza. A alegria proporcionada por uma amizade genuína revela a ausência desse elemento em todas as outras amizades experimentadas, talvez antes não percebida. Negligenciar nossas afetividades é prejudicial, e a sensação de incompletude é um indicativo de que essa carência pode ser satisfeita. Nossos corações anseiam por amizade tão genuinamente quanto nossos corpos necessitam de comida. Viver entre os outros desconfiados e focados apenas em nossos interesses, sem se importar com as necessidades alheias, é desonrar e ferir nossa própria natureza com nossas próprias mãos. Isolar-se coloca o mundo inteiro contra nós, e endurecer nosso coração tem um efeito destrutivo.


Todos nós necessitamos de simpatia e, por conseguinte, ansiamos por amizade. Mesmo o ser humano mais perfeito sente a necessidade de conexões emocionais. Cristo, sendo em alguns aspectos o mais autossuficiente dos homens, expressou esse anseio humano ao longo de Sua vida. Ele buscava constantemente oportunidades para expandir o coração, seja entre Seus discípulos, em um círculo íntimo dentro do círculo, ou na casa de Betânia. Em um momento crucial de Sua trajetória, Ele perguntou: "Você também irá embora?" e, na agonia de Sua crucificação, suspirou: "Você não poderia vigiar comigo por uma hora?" Cristo, sendo perfeitamente humano, sentia os efeitos de seu relacionamento com seus discípulos.


Quanto mais elevados são nossos relacionamentos uns com os outros, mais evidente se torna a necessidade de uma conexão profunda. Especialmente nas questões da alma, percebemos que a verdadeira vida cristã não pode ser vivida no isolamento, mas deve ser uma vida entre os homens. Isso ocorre porque essa vida é marcada pela alegria e pelo serviço. Entendemos que, para alicerçar nossa existência e alcançar a plenitude de nossas potencialidades, precisamos de relações com outros seres humanos. A falta de afetos saudáveis compromete a integridade do ser humano. Vivemos de esperança e comunhão, e esses sentimentos só podem ser plenamente desenvolvidos na vida social.


Os prazeres mais doces e duradouros também nunca são egoístas; eles derivam do companheirismo, gostos comuns e simpatia mútua. A simpatia não é uma qualidade necessária apenas em tempos difíceis; ela é tão essencial quando o sol brilha. Na verdade, muitas vezes é mais fácil encontrar simpatia na adversidade do que na prosperidade. Simpatizar com o fracasso de um amigo é relativamente fácil, enquanto nem sempre conseguimos ser tão sinceros ao celebrar o sucesso dele. Quando alguém enfrenta contratempos, pode contar com uma certa dose de boa camaradagem à qual pode recorrer. É difícil esconder um pouco de malícia ou inveja nos cumprimentos ao sucesso. Às vezes, é mais fácil se solidarizar com alguém em momentos de tristeza do que se alegrar com a felicidade alheia. Essa dificuldade não é sentida tanto com pessoas acima ou abaixo de nós, mas com nossos iguais.


Quando um amigo conquista algo, pode surgir certo pesar que não é necessariamente malicioso, mas é impulsionado pelo receio de que ele esteja além do nosso alcance, saindo de nossa esfera, talvez não precisando ou desejando tanto nossa amizade como antes. É perigoso ceder a esse sentimento, mas até certo ponto, é natural. Uma amizade verdadeira se regozijaria mais com o sucesso do outro do que com o próprio. Um espírito invejoso e ciumento nunca pode ser um amigo verdadeiro. Sua atitude mesquinha de depreciar e insinuar malícia mata a amizade desde o início. Uma observação espirituosa registrada por Plutarco sobre Plistarco ilustra bem isso. Quando lhe disseram que um famoso detrator havia falado bem dele, Plistarco respondeu: "Arriscarei minha vida, alguém lhe disse que estou morto! Pois ele não pode falar bem de nenhum homem vivo!"


Para alcançar a verdadeira satisfação do coração, é necessário ter uma fonte de simpatia da qual se possa extrair todas as vicissitudes da vida. A tristeza busca simpatia, anseia por compartilhar suas dores com uma alma próxima. Encontrar tal alma é dissipar a solidão da vida. Ter um coração confiável no qual podemos despejar nossas tristezas, dúvidas e medos já é um alívio para a dor, a incerteza e a sombra do medo.


A alegria também anseia por ser compartilhada. O homem que encontra a ovelha perdida reúne os vizinhos e pede que se alegrem com ele por ter encontrado a ovelha perdida. A alegria é mais social do que a tristeza. Algumas formas de tristeza desejam desaparecer na solidão, como um animal ferido em sua toca, sofrendo sozinho e morrendo sozinho lambendo suas feridas. Mas a alegria encontra sua expressão na luz do sol, nas flores, nos pássaros e nas crianças, e se integra facilmente a todos os aspectos da vida. A simpatia responde à alegria de um amigo, assim como reverbera com sua dor. Uma amizade genuína não apenas aumenta a alegria, mas também compartilha a tristeza.


Apesar das experiências não naturais do monasticismo e de formas ascéticas, a vida religiosa é fundamentalmente uma vida de amizade. É individual em sua essência e social em seus frutos. Quando dois ou três estão reunidos, a religião se torna uma realidade para o mundo. A alegria da religião não pode ser escondida no coração de um homem. O convite "Venha ver um homem que me contou tudo o que eu fiz" é o resultado natural do primeiro maravilhamento e da primeira fé. A alegria se propaga de alma em alma pelo impacto inicial da grande alma de Deus. -- ...O que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram [...] O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos [...]E esta é a mensagem que dele ouvimos, e vos anunciamos... 1 João 1:1-5.


O ideal de Cristo é o ideal de Seu Reino, onde os homens se unem por uma causa comum, sob leis comuns, servindo ao propósito comum de amor. Esse ideal visa impactar o homem em todas as suas relações sociais, no lar, na cidade, no Estado. Os maiores triunfos de Cristo foram alcançados por meio da comunhão, que por sua vez, enobreceu e santificou os laços humanos. O crescimento do Reino depende do funcionamento santificado dos laços entre os homens. Isso foi evidente desde o início; João Batista apontou Cristo para João e André, e André encontrou seu irmão Simão Pedro. Filipe encontrou Natanael, e assim a sociedade, por meio de sua rede de relações, acolheu a nova mensagem em seus corações. Aquele que foi curado deve ir e contar aos que estão em casa, compartilhar com seus amigos e buscar que eles também participem de sua grande descoberta.


A existência da Igreja como um corpo de crentes se deve a essa necessidade de nossa natureza, que exige a oportunidade para o intercâmbio de sentimentos cristãos. Quanto mais profundo o sentimento, maior é a alegria de compartilhá-lo com outra pessoa. Existe uma felicidade estranha, um encantamento maravilhoso, que vem da verdadeira intimidade do coração e da estreita comunhão da alma, e o resultado vai além de uma simples alegria passageira. Quando é compartilhado nos pensamentos mais profundos e nas aspirações mais elevadas, quando é construído sobre uma fé e vive por uma esperança, traz uma paz perfeita. Nenhuma amizade completa seu propósito até alcançar a satisfação suprema da comunhão espiritual.


Satisfação mental


Além da satisfação do coração, a amizade também proporciona satisfação à mente. Muitos têm certa timidez intelectual em chegar a conclusões e formar opiniões por si mesmos. Raramente nos sentimos confiantes até garantirmos o acordo e aprovação de outras pessoas em quem confiamos. Existe sempre uma equação pessoal em nossos julgamentos, de modo que sentimos a necessidade de ajustá-los em comparação com os julgamentos dos outros. Os médicos buscam consultar colegas quando um caso se torna crítico, reconhecendo a vantagem de receber conselhos. Pedir conselhos é benéfico, quer sigamos ou não os conselhos. Às vezes, o maior benefício advém da oportunidade de testar e validar nossa própria opinião. A simples articulação de um caso pode ser suficiente para comprovar ou refutar algo. Mesmo que nosso amigo não seja capaz de esclarecer o assunto com sua sagacidade ou experiência, um bom ouvinte é valioso. Amigos em conselho enriquecem intelectualmente, desenvolvendo um padrão de julgamento e tomando decisões com mais precisão e confiança. Ter amigos conselheiros é proverbial.


Ao discutir um assunto com outra pessoa, ganhamos novas perspectivas e abrimos novos caminhos, tornando toda a questão mais complexa e enriquecedora. Como afirmou Francis Bacon: "A amizade ilumina o entendimento, emergindo das trevas e da confusão de pensamentos." Isso não se limita apenas a receber conselhos fiéis de um amigo, mas antes disso, envolve o fato de que aquele que compartilha seus pensamentos com outra pessoa tem sua mente esclarecida e organizada na comunicação e no diálogo. Ele lança seus pensamentos com mais facilidade, os organiza de maneira mais ordenada, percebe como eles se transformam em palavras e, por fim, torna-se mais sábio do que seria por uma hora de discurso e por um dia de meditação.


Em alguns momentos especiais ficamos impressionados com o brilho de nossa própria conversa e a profundidade de nossos próprios pensamentos ao compartilhá-los com alguém por quem simpatizamos. Muitas no improviso surgem bons insights. Mas, o brilho não era apenas nosso; foi ação reflexa resultante da comunhão. É por isso que o efeito de diferentes pessoas sobre nós é distinto, algumas nos fazem recuar para dentro de nossa concha, quase incapazes de pronunciar uma palavra, enquanto outras, por meio de algum magnetismo estranho ampliam os limites de todo o nosso ser e extraem o melhor de nós. Afinal, o verdadeiro insight é o amor. Ele esclarece o intelecto e abre os olhos para muitas coisas que eram anteriormente inexplicáveis.


Além da influência subjetiva, pode haver grande ganho com um conselho honesto. Podemos confiar que um amigo fiel não nos dirá apenas palavras suaves de lisonja. Muitas vezes, o observador enxerga a maior parte do jogo, e se esse observador estiver profundamente interessado em nós, pode ter uma opinião mais imparcial do que a nossa. Ele pode ter que dizer algo que ferirá nosso orgulho; pode ter que falar para correção e não para elogio, mas como diz o provérbio, "Fiéis são as feridas de um amigo". O adulador será cuidadoso para não ofender nossas suscetibilidades com a verdade, mas um amigo buscará nosso bem, mesmo que tenha que dizer algo que detestamos ouvir naquele momento.


Isso não significa que um amigo deva ser sempre brutalmente franco. Muitos aproveitam o que chamam de interesse pelo nosso bem-estar para esfregar sal em nossas feridas. O homem que se orgulha de sua franqueza e aversão à bajulação geralmente não é franco, mas apenas brutal. Um verdadeiro amigo nunca machucará desnecessariamente, mas também não deixará escapar ocasiões por covardia e timidez. Falar a verdade no amor elimina o desconforto que tantas vezes ocorre ao transmitir a verdade. Apesar da dor causada pela ferida, somos gratos pela fidelidade que a provocou. Como diz o Salmo, "Fira-me o justo, e isso será um favor; repreenda-me, e será como óleo sobre a minha cabeça, a qual não há de rejeitá-lo." (Sl 141.5).


Em nossas relações uns com os outros, muitas vezes há mais vantagens em encorajar do que em corrigir. A verdadeira crítica não consiste, como alguns críticos parecem pensar, em depreciação, mas em apreciação; é colocar-se empaticamente na posição do outro e buscar valorizar o real mérito de seu trabalho. Mais vidas são arruinadas pela aspereza indevida do que pela gentileza inadequada. Perde-se mais trabalho bom por falta de apreciação do que por excesso; e certamente não é função da amizade desempenhar o papel do crítico. A menos que seja reprimido, tal espírito pode se tornar censurável ou, pior ainda, rancoroso, e muitas vezes tem sido o meio de perder um amigo. É possível ser gentil sem oferecer conselhos enganosos ou lisonjas exageradas; e é possível ser verdadeiro sem amplificar as falhas e ceder a repreensões cruéis e insensíveis.


Além da alegria e paz da amizade e de sua ajuda em assuntos de conselho, um terço de seus nobres frutos é a ajuda direta que ela pode nos oferecer nas dificuldades da vida. Ela fortalece o caráter, proporcionando sobriedade e estabilidade por meio da responsabilidade mútua que implica. Quando os homens enfrentam o mundo juntos e estão dispostos a ficar ombro a ombro, o sentimento de camaradagem fortalece cada um. Essa ajuda pode não ser necessária com frequência, mas saber que está disponível, se necessário, já é um grande conforto. Saber que, se um cair, o outro o levantará. A própria palavra amizade sugere uma ajuda gentil e assistência em situações de angústia. Shakespeare aplica a palavra em "A Tempestade" ("The Tempest"). Essas linhas são ditas por Trínculo no Ato II, Cena II. Trínculo está buscando abrigo da tempestade e encontra um casebre. A passagem é a seguinte:


"Oh Deus, meu senhor, ali perto há uma cabana;

Alguma Amizade concederá refúgio contra a tempestade.

Seu teto de palha está inclinado

Contra a fúria do vento, embora o vento do norte

Agrida como a boca de Apolo."


O sentimento não tem grande importância se não for uma força inspiradora que conduza a ações gentis e generosas quando há necessidade. A luta não é tão difícil quando sabemos que não estamos sozinhos, mas que há alguns que pensam em nós, oram por nós e que nos ajudariam se tivessem a oportunidade.


A camaradagem é um dos fenômenos mais belos e uma das forças mais poderosas da vida. Um homem forte, por mais capaz e bem-sucedido que seja, tem pouco significado sozinho, não há o gênero literário romance em sua jornada solitária. O verdadeiro reino do romance pertence a figuras como Davi, não a Sansão; a Davi, com sua natureza ansiosa, impetuosa e afetuosa, por quem três valentes arriscaram suas vidas para trazer-lhe um copo de água, tudo por amor a ele. Nessa passagem bíblica de 2 Samuel 23:15-17, Davi expressa o desejo de beber água de um poço em Belém. Três dos seus valentes guerreiros atravessam o acampamento inimigo, recuperam a água e a trazem para Davi. Mas, Davi, em reconhecimento ao risco que esses homens correram por ele, recusa-se a bebê-la e a oferece como um sacrifício ao Senhor. Isso destaca a coragem e lealdade dos guerreiros, assim como a profunda gratidão e respeito de Davi por seus seguidores. Não é o herói egocêntrico e autocontido que nos fascina; é sempre a camaradagem de heróis. Os Três Mosqueteiros de Dumas, com seu juramento "Um por todos, e todos por um", herdam esse reino do romance, onde tudo está ligado por laços de lealdade e amizade. "Romance" pode ser usado para descrever uma atitude ou espírito romântico, que envolve uma apreciação pela beleza, idealismo e emoções intensas.


Robertson de Brighton, em uma de suas cartas, relata como um amigo seu, por covardia ou descuido, perdeu a oportunidade de corrigi-lo em um ponto pelo qual foi acusado, deixando-o indefeso contra uma calúnia. Com sua brandura de alma inata, ele se contenta com a exclamação: "Como é raro ter um amigo que o defenda completa e corajosamente!" Mas, essa é apenas uma das muitas coisas leais que um amigo pode fazer, às vezes quando seria impossível para a própria pessoa agir em sua defesa. Algumas coisas necessárias de serem ditas ou feitas em certas circunstâncias não podem ser realizadas sem indelicadeza pelo detrator em questão, e o instinto aguçado de um amigo deveria indicar quando é necessário intervir. Consideração muitas vezes sugere ações incisivas que os amigos podem realizar para mostrar que o vínculo que os une é genuíno. Verdadeiramente rico é o homem que tem amigos atenciosos e diplomáticos, em quem confia quando presente e cuja lealdade protege sua honra na ausência. Sem lealdade, não pode existir uma amizade verdadeira e duradoura. Muitas de nossas amizades perdem a grandeza porque não estamos dispostos a realizar pequenos atos de serviço. Sem isso, nosso amor se reduz a um mero sentimento e deixa de ser a força motriz para o bem de ambas as vidas.


A ajuda que podemos receber da amizade pode ser ainda mais poderosa, devido ao cuidado sutil, do que a ajuda material. Ela pode atuar como uma salvaguarda contra a tentação. A lembrança da experiência de um amigo que admiramos é uma força significativa para nos salvar do mal e para nos guiar para o bem. A ideia de como nosso amigo ficaria triste diante de qualquer colapso moral muitas vezes nos dá coragem para permanecermos firmes. Perguntamo-nos: “O que meu amigo pensaria de mim se eu fizesse isso ou consentisse com essa tentação?” Será que eu ainda poderia encará-lo e encontrar o olhar calmo e puro de seus olhos? Não seria isso uma mancha em nossa amizade? Nenhuma amizade merece o nome que não eleva e não contribui para a nobreza de conduta e a força de caráter. Deve inspirar um novo entusiasmo para o dever e uma nova inspiração para tudo o que é bom.


A influência é um dos maiores dons humanos, e todos nós a possuímos em certa medida. Existem pessoas para as quais somos algo, se não tudo. Há aquelas que nos seguram com laços fortes. Existem pessoas sobre as quais temos ascendência, ou pelo menos acesso, abrindo-nos as portas da Cidade da Alma Humana. Deve ser sempre uma questão solene para um indivíduo considerar o que ele fez com esse poder de influência. O que nosso amigo tem a nos agradecer - seja pelo acerto ou pelo erro? Nós o equipamos com coragem e força para a batalha, ou o arrastamos para longe das alturas que ele uma vez almejou? Estamos diante das possibilidades trágicas das relações humanas. Cada amizade abre as portas da cidade, e aqueles que entram podem ser aliados na luta ou inimigos traiçoeiros.


Todos os frutos da amizade, sejam eles abençoados ou nocivos, brotam dessa raiz de influência. A influência em longo prazo é a impressão de nosso verdadeiro caráter em outras vidas. O resultado de nossas amizades será, em última análise, condicionado pelo tipo de pessoas que somos. Isso adiciona uma responsabilidade sagrada à vida. Como em outras áreas, uma árvore boa produz bons frutos, mas uma árvore corrupta produz frutos ruins.


Baseado no capítulo III do livro: “Amizade”, de Hugh Black, publicado pelo Project Gutenberg

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A CULTURA DA AMIZADE


Infinita é a ajuda que o homem pode oferecer ao homem.

CARLYLE, Sartor Resartus.


O Livro dos Provérbios aborda extensivamente o tema da amizade, fornecendo conselhos claros sobre as pessoas que um jovem deve buscar como amigos e aquelas que deve evitar. Os conselhos são astutos, prudentes e sábios, muitas vezes abordando situações cotidianas. O livro critica fortemente os falsos amigos e como as amizades podem ser rompidas. Por exemplo, destaca que o rico atrai muitos amigos, sugerindo uma reflexão sobre a qualidade dessas relações interesseiras. De maneira sarcástica, comenta que todo homem é amigo daquele que dá presentes, apontando os motivos questionáveis de algumas amizades. A sátira se manifesta na descrição do homem que vive dando tapinhas nas costas, inconstante e adulador, que elogia seu amigo em voz alta, mas pode trair pela manhã. O livro de Provérbios ilustra as conexões frágeis entre as pessoas, comparando-as a cerâmica remendada, e destaca a ação nociva daqueles que buscam dividir os amigos. Há ironia sobre a qualidade da amizade comum e a condenação do fofoqueiro e sua alma sórdida são temas presentes na obra.


Essa atitude ácida é tão prevalente que raramente esperamos que um livro tão perspicaz aborde tão sinceramente as muitas possibilidades da amizade humana. Seu objetivo principal é alertar os jovens sobre os perigos e armadilhas da vida social, oferecendo conselhos práticos, especialmente no que diz respeito a evitar ser fiador de um amigo. O livro adverte contra os truques, fraudes e desonestidades que eram comuns nas ruas da cidade naquela época, assim como ainda ocorrem hoje. De forma um tanto irônica, ri ao considerar que a amizade pode não ser tão comum quanto o coração ávido e generoso da juventude imagina. Quase zomba da credulidade dos homens em relação a esse assunto, destacando a frase: "Aquele que faz muitos amigos o faz para sua própria destruição." -- Provérbios 17.17; 18.24; 27.17; 27.6, 22.24.


Apesar de existirem muitos livros na literatura clássica, nenhum exalta tanto a ideia de amizade e mostra tanto desejo de que ela seja genuinamente valorizada e protegida como no livro de Provérbios. As advertências sábias apresentadas são em prol da verdadeira amizade. Condenar a hipocrisia não implica, como comumente se pensa, condenar a religião, e rejeitar o falso não é rejeitar automaticamente o autêntico. O escárnio da tolice pode ser, na verdade, um argumento secreto em favor da sabedoria. A sátira expressa uma verdade negativa. O lamentável é que a maioria das pessoas, que começa com a filosofia prudencial e sábia do mundo, fica estagnada nela, nunca indo além do escárnio. Isso não ocorre com este livro sábio. Apesar de sua compreensão das fraquezas humanas e da franca denúncia das máscaras comuns da amizade, ele aborda também o verdadeiro tipo de amizade com belas palavras que ainda não foram superadas em todas as avaliações sobre o assunto. Um amigo ama em todos os momentos e é um irmão nascido na adversidade. Fiéis são as feridas de um amigo. Pomada e perfume alegram o coração, assim como o sabor doce agradável por meio de conselhos sinceros. Estas palavras não são de um cínico que perdeu a fé no homem.


É verdade que a amizade genuína não é algo comum que se encontre facilmente em qualquer lugar. E isso é bom, pois, assim como a sabedoria, ela deve ser buscada como tesouros escondidos, requerendo cuidado e reflexão para ser mantida. Considerar cada pessoa nova como um amigo é ter um coração superficial; nem todo conhecido casual é um amigo de fato. Certas conexões profundas não devem ser compartilhadas indiscriminadamente. Sabe o que isto significa? Não compartilhe sua alma com qualquer pessoa, sem ter a certeza sólida de amizade verdadeira. Até que compreendamos a sacralidade de uma verdadeira amizade, falar sobre a cultura da amizade é vão. Abrir o coração para todos é uma grande inocência ou uma grande loucura. O Livro de Provérbios, como guia sobre amizade, oferece advertências perspicazes e críticas quando necessário, mas não vai ao extremo de afirmar que todos os homens são mentirosos, negando a existência de verdade e fidelidade. Tal afirmação seria precipitada. O livro destaca que há amigo mais próximo que um irmão, indicando a possibilidade de um relacionamento abençoado, caracterizado por amor, respeito, confiança e camaradagem generosa, onde o homem se sente seguro para ser autêntico, sabendo que não será facilmente mal compreendido.


A palavra "amizade" foi degradada ao ser aplicada a usos baixos e indignos, resultando em muitas interpretações cínicas e satíricas da vida. O sagrado título de "amigo" foi tão maltratado que corre o risco de perder seu verdadeiro significado. [Um pensador mais contemporâneo abordou o tema amizade e as mudanças da sociedade atual, Zygmunt Bauman explorou como a liquidez das estruturas sociais contemporâneas impacta as relações interpessoais, incluindo as amizades. Bauman argumenta que, na sociedade líquida, as relações humanas tornam-se mais fluidas e voláteis. Ele observa que as amizades podem ser efêmeras e sujeitas a mudanças rápidas, muitas vezes devido a fatores como mobilidade, individualismo e a influência da cultura do consumismo. Além disso, Bauman destaca a importância da comunicação nas amizades modernas, muitas vezes mediadas por tecnologias de comunicação digital. Essa comunicação instantânea pode criar conexões superficiais e efêmeras, influenciando a natureza das relações de amizade. A crítica que o Bauman faz não se distancia muito em essência do teólogo escocês, Hugh Black. Para Bauman, as amizades verdadeiras podem ser desafiadoras de manter em um mundo caracterizado pela mudança constante, onde as relações muitas vezes se tornam efêmeras. Mas, ele reconhece que, mesmo em meio a essas condições, as amizades autênticas são valiosas].


É inútil falar sobre cultivar o precioso dom da amizade se não esclarecermos para nós mesmos o que realmente entendemos por "amigo". Muitas vezes, fazemos conexões e conhecemos pessoas, chamando-as de "amigos", quando na verdade temos poucas amizades verdadeiras, pois não estamos dispostos a pagar o preço que a verdadeira amizade exige.


Se considerarmos que a amizade não vale o preço a ser pago, isso é compreensível, mas não devemos usar a palavra com significados diferentes e, em seguida, criticar o destino pela ausência de milagres de beleza e alegria em nossas relações de amizade. Assim como outras bênçãos espirituais, a amizade chega a todos nós em algum momento, mas muitas vezes a deixamos escapar. Embora tenhamos oportunidades, nem sempre as aproveitamos. A maioria das pessoas faz amigos com facilidade, mas poucos conseguem mantê-los. Não dedicamos o cuidado, a reflexão e o esforço necessários. Queremos o prazer da companhia, mas não aceitamos o dever. Buscamos os benefícios dos amigos, mas evitamos a responsabilidade de mantê-los. Um erro comum é espalhar nossa atenção sobre muitos e não aprofundar as relações verdadeiramente no coração. Lamentamos a falta de amigos leais, mas não investimos o amor que os cultivaria. Queremos colher onde não semeamos, uma tolice evidente. Aqueles que buscam centenas de amigos, como satiricamente descreve Cowper, não podem esperar a dedicação exclusiva que não ofereceram.


O segredo da amizade reflete o segredo de todas as bênçãos espirituais: dar é a chave. O egoísta, em última instância, só alcança egoísmo. A vida apresenta desafios de acordo com a medida que medimos. Alguns indivíduos têm um talento natural para a amizade devido à sua personalidade, receptividade e altruísmo. Eles aproveitam plenamente a vida, pois, além de certas alegrias específicas, até mesmo o intelecto se aprimora pelo cultivo das amizades. Nenhum sucesso material se compara ao sucesso na amizade. Nossos padrões egoístas nos prejudicam. Um antigo provérbio popular expressa uma visão mundana, sugerindo que o homem não pode amar e ser sábio simultaneamente. Mas, isso só é verdade quando a sabedoria é equiparada à prudência e ao egoísmo. Pelo contrário, um homem só alcança verdadeira e nobre sabedoria ao se envolver na generosidade da amizade. O egocêntrico não consegue manter amigos, mesmo que os faça; sua sensibilidade egoísta é sempre um obstáculo, como um nervo doente prestes a ser inflamado.


A cultura da amizade é um dever, pois cada presente de amizade traz consigo uma responsabilidade. Além disso, é uma necessidade, pois sem um cuidado vigilante, a amizade não perdura mais do que qualquer outro presente. Sem cultivo, ela permanece apenas uma potencialidade. Podemos deixá-la escapar ou podemos usá-la para enriquecer nossas vidas. O milagre inicial da amizade, cheio de maravilha e beleza, desvanece, e sua glória se dissipa na luz do dia comum. O encanto inicial passa, e a alma esquece a primeira exaltação. Existe sempre o risco de confundir o extraordinário com o ordinário. Não devemos considerar a amizade apenas como um luxo da vida, ou ela deixará de ser. A amizade começa com emoção, mas para perdurar, deve se transformar em um hábito. O hábito se estabelece quando algo se torna parte habitual da vida; e, independentemente da origem da amizade, ela precisa se tornar um hábito para evitar desaparecer.


A amizade requer um tratamento delicado, sendo suscetível a danos por erros tolos desde o início e podendo ser prejudicada pela negligência. Nem toda amizade consegue florescer em solo pedregoso. A falta de sensatez, que é um sinal externo de falta de consideração, frequentemente resulta na morte de muitas amizades. Pior ainda, muitas vezes é comprometida desde o início pelo desejo insaciável de sensacionalismo na conversa, esquecendo-se da sacralidade da confiança e da simplicidade. Nada é concedido ao homem que não é digno de possuí-lo, e um coração superficial nunca poderá experimentar a alegria de uma amizade, pois não está disposto a cumprir as condições essenciais para sua manutenção. Aqui, também, é verdade que ao homem que não tem, é tirado até mesmo aquilo que ele tem. [Aqui podemos lembrar da sábia “regra de ouro e de prata”. A "regra de ouro" preconiza "faça aos outros apenas o que você faria a si mesmo", a "regra de prata" representa uma abordagem via negativa, mais robusta que a primeira: "não faça aos outros o que você não faria a si mesmo". Esta dupla perspectiva é de prudente sabedoria, pois não se trata apenas de "fazer", mas de "não fazer". Isso adiciona uma camada de consideração cuidadosa às interações, reconhecendo os limites].


O método para cultivar a amizade encontra seu melhor resumo na Regra de Ouro: fazer para o amigo o que gostaríamos que ele fizesse para nós é um compêndio simples de todos os deveres da amizade. O primeiro princípio da amizade é que ela é mútua, como entre iguais espirituais, requerendo reciprocidade, confiança e fidelidade. Simpatia e empatia são essenciais para manter o contato, mas deve ser exercida continuamente, sendo um canal de comunicação que precisa permanecer aberto sem ruídos.


Praticar a afinidade pode envolver o cultivo de gostos semelhantes, embora isso geralmente ocorra naturalmente na comunhão. Mas, cultivar gostos semelhantes não significa absorção de uma amizade pela outra, nem a identidade completa entre ambos. Pelo contrário, parte da graça da relação de amizade reside na diferença, que coexiste no meio do pacto. O fundamental é ter um desejo real e um esforço genuíno para se compreender mutuamente. Vale a pena se esforçar para preservar um relacionamento cheio de bênçãos para ambos.


Assim como em todas as relações humanas, a paciência desempenha um papel decisivo aqui. Ao reconhecermos a necessidade constante de exercer essa virtude em nossas próprias vidas, compreendemos sua importância para os outros. Com o tempo, é inevitável perceber aspectos que “diminuem o valor” de um amigo, e talvez até mesmo coisas que nos irritam. Isso apenas significa que nenhum homem é perfeito. Com tato, cuidado e paciência, podemos ajudar a corrigir possíveis falhas em um caráter, e, em qualquer caso, é tolice esquecer as grandes virtudes de nosso amigo por conta de algumas imperfeições irritantes. Podemos manter o primeiro ideal na memória, mesmo sabendo que ainda não é uma realidade completa. Devemos evitar que nosso relacionamento se torne agressivo e, ao contrário, preservá-lo como algo que merece cuidado, um refúgio do mundo caído, um santuário onde deixamos as críticas do lado de fora e respiramos livremente.


A confiança é fundamental para fazer um amigo. Se adotarmos uma atitude de neutralidade armada, desconfiança, assertividade e excesso de cautela em nossas interações, como podemos esperar criar conexões genuínas? A suspeita é prejudicial à amizade. Alguma magnanimidade e abertura de espírito são necessárias antes que uma amizade possa se formar. Devemos estar dispostos a nos doar livremente e sem reservas.


Para alguns, avançar na construção de amizades é mais fácil devido à sua natural confiança. Entretanto, é essencial começar de alguma forma, e ao entrar em uma associação pessoal, não devemos ser excessivamente cautelosos ao expressar nossos sentimentos. Se permanecermos excessivamente reservados, às vezes, um momento de ouro pode ser perdido devido a uma reserva tola. Embora tenhamos receio de nos abrirmos facilmente, um sentimento defensivo aprendido por meio de experiências tristes, em geral, talvez a natureza espontânea, que age por impulso, seja de uma qualidade superior à natureza excessivamente cautelosa, sempre alerta para não se comprometer. Sem certo nível de confiança, não podemos colaborar ou estabelecer relações uns com os outros.


Se a confiança é o primeiro requisito para fazer um amigo, a fidelidade é o primeiro requisito para mantê-lo. A chave para ter um amigo é ser amigo. A fidelidade surge da confiança, e devemos estar prontos para aproveitar todas as oportunidades para servir nosso amigo. Para a maioria de nós, a vida é composta por pequenos gestos, e muitas amizades desvanecem devido à negligência simples. Corações se distanciam porque todos esperam por uma grande ocasião para demonstrar afeto. O valor espiritual significativo da amizade reside nas oportunidades que ela oferece para o serviço, e se negligenciarmos essas oportunidades, é de se esperar que o dom da amizade seja enterrado. Uma amizade que começa com sentimentos não sobreviverá e prosperará apenas com base nesses sentimentos. É necessário ter lealdade, expressa por meio do serviço. O valor de um gesto não está na grandiosidade da ajuda ou no valor intrínseco do presente, mas sim na demonstração de amizade e consideração.


A atenção aos detalhes é o segredo do sucesso em todas as esferas da vida, e pequenas gentilezas, atos de consideração, apreciações e confidências [Tg 5.6] são tudo o que a maioria de nós é chamada a realizar. Essas considerações mantêm nossos sentimentos em destaque para ambas as partes. Se nunca expressarmos nossos sentimentos bondosos, com nosso amigo, ou mesmo com nós mesmos, teremos garantia de que eles existem? A fidelidade nas ações é o resultado externo da constância da alma, que é a mais rara e a maior das virtudes. Se o milagre da amizade nos alcançou, certamente vale a pena sermos leais e verdadeiros. Ao aproveitarmos as pequenas oportunidades de ajudar, estamos nos preparando para a grande provação, se ela ocorrer, quando a estrutura da amizade será testada até o alicerce. A cultura da amizade e seu valor duradouro nunca encontraram expressão mais nobre do que no belo provérbio: "O amigo ama em todos os momentos e é um irmão na adversidade."


A maioria dos homens não merece esse presente celestial. Muitos consideram a amizade como uma conveniência, aceitando o privilégio sem a responsabilidade que o acompanha. Alguns até utilizam seus amigos para satisfazer seus propósitos egoístas, resultando na ausência de amizades verdadeiras. Certos indivíduos perdem amigos à medida que avançam na escala social, agindo de maneira mesquinha e desprezível ao usar os outros para promover seus interesses pessoais. Mas, essa abordagem cruel acarreta sua própria derrota. Aqueles que adotam essa política mundana nunca experimentarão a paz e o conforto da confiança mútua. Essa estratégia mundana, ao tratar um amigo como se pudesse se tornar um inimigo, logicamente resulta na ausência de verdadeiras amizades. Sacrificar um amigo confiável por ganhos pessoais ou posição é privar o próprio coração da capacidade de cultivar amizades genuínas; é um coração envenenado destinado às trevas.


Mentes superficiais são frequentemente atormentadas pelo desejo incessante de novas experiências, mostrando pouca consideração pelo passado ou pelos valores testados da tradição. Eles são facilmente influenciados pelos inexperientes e anseiam por sensações novas todo tempo. No contexto da amizade, estão dispostos a abandonar o antigo pelo novo, constantemente buscando um cisne em cada ganso que encontram. No final, colhem sua recompensa com um coração solitário. Esquece-se de preservar os antigos amigos.


A cultura da amizade deve evoluir para a consagração da amizade se desejar atingir seu propósito maior. A amizade não pode ser duradoura a menos que se torne espiritual. Deve haver comunhão nas profundezas da alma, compartilhamento nos pensamentos mais elevados e consideração pelos melhores esforços. Analisar a amizade apenas como um luxo, e não como uma oportunidade espiritual da providência de Deus, é trocar um benefício inestimável por nada. A cultura da amizade pode ser uma ocasião para crescer na graça, aprender a amar, treinar o coração na paciência e fé, e experimentar a alegria do serviço humilde. Perderemos nossa chance se não nos esforçarmos para criar um ambiente inspirador e saudável para nosso amigo. Somos chamados a dar o melhor de nós para o nosso amigo, permitindo que ambos alcancem o que há de mais elevado e profundo em suas almas.


A cultura da amizade é um instrumento essencial na cultura do coração, sem a qual o homem não atinge verdadeiramente seu reino de mordomia. Embora muitas vezes seja apenas o começo, através de uma cultura terna e cuidadosa, pode servir como uma educação para uma vida mais ampla. Essa expansão ocorre em círculos cada vez mais amplos, do particular ao geral e do geral ao universal – do individual ao social, e do social a Deus. O teste da religião é, em última análise, simples: Se não amarmos aqueles que vemos, será impossível amar aqueles que não vemos (1Jo 4.20). Nossos sentimentos em relação às pessoas distantes, aos angustiados e em sofrimento, e nossas orações serão vazias e fraudulentas se negligenciarmos as oportunidades da Providência de serviço ao nosso alcance. Se não amarmos nossos irmãos aqui, como poderemos amar nossos irmãos em outros lugares, além de um piedoso sentimentalismo? E se não amamos aqueles que vemos, como poderemos amar a Deus, a quem não vemos?


Essa é a função mais elevada da amizade e a razão pela qual ela necessita de uma cultura cuidadosa. Devemos ser conduzidos a Deus tanto pela alegria quanto pela tristeza, pela luz e pelas trevas, nas relações humanas e na solidão humana. Deus é o Doador de toda boa dádiva, e ferimos Seu coração quando pecamos contra Seu amor. Quanto mais compreendemos o espírito de Cristo e refletimos sobre o significado da graça insondável de Deus, mais nos convenceremos de que a maneira de agradar ao Pai e seguir o Filho é cultivar as graças da bondade, gentileza e compaixão, entregando-nos à cultura do coração centrado em Deus.


Não é na arena eclesiástica, nem na polêmica por um credo, nem na autoafirmação e disputas que melhor agradamos ao nosso Mestre, mas no simples serviço do amor. Buscar o bem dos homens é buscar a glória de Deus; são uma e a mesma coisa. Ser uma mão forte no escuro para outra pessoa em momentos de necessidade, ser uma taça de força e refrigério para uma alma humana em uma crise de fraqueza, é conhecer a honra da vida que glorifica a Deus. Ser um verdadeiro amigo, resgatando a fé no homem e fazendo-o acreditar na existência do amor, é salvar a fé em Deus. E esse serviço é possível para todos. Não precisamos esperar por grandes ocasiões e pela oportunidade excepcional. Nunca ficaremos sem oportunidade da Providência se estivermos prontos para manter o milagre do amor vivo em nossos corações por meio de um serviço humilde, fé, cura e benção.


RM-FRASES PROTESTANTES

Baseado no capítulo II do livro: “Amizade”, de Hugh Black, publicado pelo Project Gutenberg:

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