O pecado do silêncio
Alexandre Maclaren
Porque, se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se não anunciar o evangelho! E por isso, se o faço de boa mente, terei prêmio...
1 Coríntios 9:16,17.
A referência original destas palavras é sobre princípio e prática do Apóstolo de não receber dinheiro das igrejas para seu sustento. A exposição de sua razão é interessante e cavalheiresca. Ele afirma veementemente seu direito, mesmo quando declara que renunciará a ele. A razão de sua renúncia é que ele deseja ter a seu serviço algo além do estrito cumprimento de seu dever. Sua pregação em si, com todas as suas labutas e misérias, era apenas parte de seu trabalho diário, que ele foi convidado a fazer, e por isso ele não merecia agradecimentos nem elogios. Mas ele gostaria de realizar seu ministério com alegria, com prazer, além daquilo que lhe foi ordenado a fazer.
Nesta exposição, temos dois grandes princípios que agem no Apóstolo - um, seu profundo senso de obrigação, e o outro, seu desejo de fazer mais do que era obrigado a fazer, porque ele amava muito seu trabalho. E embora ele esteja falando aqui como um apóstolo, e seu exemplo não deva ser transferido incondicionalmente para nós, ainda assim penso que os motivos que motivaram sua conduta são capazes de aplicação a nós mesmos.
Há três coisas aqui. Existe a obrigação da pregação da palavra, existe a penalidade do silêncio e existe a obediência alegre que transcende a mera obrigação.
I. Primeiro, a obrigação do discurso.
Não há dúvida de que o apóstolo tinha, num sentido especial, uma “necessidade imposta” a ele, que foi imposta pela primeira vez naquela estrada para Damasco, e repetida muitas vezes em sua vida. Mas embora ele difira de nós na comissão sobrenatural direta que lhe foi dada, na amplitude da esfera em que teve que trabalhar e no esplendor dos dons que foram confiados à sua mordomia, ele não difere de nós. Na realidade da obrigação que lhe foi imposta, todo homem cristão está tão verdadeiramente obrigado quanto Paulo a pregar o Evangelho. A comissão não depende da exclusividade apostólica. Jesus Cristo, quando disse: 'Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura', não estava falando aos onze somente, mas a todas as gerações de Sua Igreja. E embora existam muitos outros motivos nos quais podemos basear o dever cristão de propagar a fé cristã, penso que seremos ainda melhores se nos basearmos neste mandamento distinto e definido de Jesus Cristo, cujo domínio abrange todos os que por si mesmos descobriram que o Senhor é gracioso.
Pois esse mandamento é permanente. É exatamente contemporâneo na duração da promessa que lhe está anexada, e quem se expõe à luz desta última está vinculado ao preceito da primeira. 'Eis! Estou sempre convosco, até ao fim do mundo', define a duração da promessa e define também a duração do dever. É a Igreja que “vai por todo o mundo e prega o Evangelho a toda criatura”, a ela é feita a promessa de uma presença permanente.
Lembremo-nos também que, sendo esta comissão dada a toda a Igreja, ela é obrigatória para cada membro individual da Igreja. Há uma falácia muito comum, que não se limita a este assunto, mas que se estende a todo o campo do dever cristão, pela qual as coisas que são obrigatórias para a comunidade são retiradas dos ombros do indivíduo. Mas temos que lembrar que toda a Igreja nada mais é do que a soma total de todos os seus membros, e que nada lhe incumbe que não seja, em sua medida, incumbência de cada um deles. Tudo o que Cristo diz a todos, Ele diz a cada um, e a comunidade não tem deveres que você e eu não temos.
É claro que existem diversas formas de obediência a este mandamento; é claro que as restrições de localidade e as outras obrigações da vida vêm para modificá-la; e não é dever de todo homem vagar pelo mundo inteiro fazendo esse trabalho. Mas o trabalho direto de comunicar a outros que não conhecem o poder de Jesus Cristo pertence a todo homem cristão. Vocês não podem sair das fileiras, como costumavam fazer em outras áreas da vida, pagando por um substituto, terceirizando. Ambas as formas de serviço são obrigatórias para cada um de nós. Todos nós, se sabemos alguma coisa sobre Cristo, Seu amor e Seu poder, somos obrigados, pelo fato de sabermos, a contá-lo àqueles a quem podemos alcançar. -- A quem muito é dado, muito será cobrado.
Todos vocês têm congregações, se procurarem por elas. Não há homem ou mulher cristã neste mundo que não tenha alguém com quem possa falar do Evangelho com mais eficiência do que qualquer outra pessoa. Você tem seus amigos, seus parentes, as pessoas com quem você tem contato diário, se não tiver congregações mais amplas. Vocês não podem todos se levantar e pregar no sentido em que eu faço isso. Mas este não é o significado da palavra no Novo Testamento. Não implica necessariamente um púlpito, nem um discurso definido, nem uma multidão reunida; implica simplesmente a tarefa de proclamação de um arauto. Todos que encontraram Jesus Cristo podem dizer: 'Encontrei o Messias', e todos que O conhecem podem dizer: 'Venha e ouça, e eu contarei o que o Senhor fez por minha alma'. Já que você pode fazer isso, você é obrigado a fazê-lo; e se você é um dos 'cachorros mudos, deitados e amantes do sono', dos quais existem multidões que paralisaram suas energias e enfraqueceram o testemunho de cada Igreja na terra, então você está criminosa e suicidamente alheio a uma obrigação que é uma alegria e um privilégio, tanto quanto um dever.
Ah, irmãos! Quero deixar isso claro na consciência de todos vocês, cristãos, que nada pode absolvê-los da obrigação de falar pessoal e diretamente com alguém sobre Cristo e Sua salvação. A menos que você possa dizer: Eu não reprimi meus lábios, ó Senhor! Mas, além deste esforço direto, existem outros métodos indiretos pelos quais este mandamento pode ser cumprido, sobre os quais não preciso dizer mais nada aqui.
O ideal de Jesus Cristo para Sua Igreja era uma propaganda ativa, um exército no qual não houvesse não-combatentes, embora alguns dos combatentes pudessem ser destacados para permanecer no acampamento e cuidar do material, e outros deles pudessem estar na vanguarda da batalha. Mas esse ideal já foi cumprido em alguma de nossas igrejas? Quantos entre nós existem que não fazem absolutamente nada na forma de trabalho cristão! Alguns de nós parece pensar que o princípio voluntário sobre o qual as nossas igrejas significa: 'Não preciso fazer nada a menos que eu queira. A inclinação é o guia do dever, e se eu não quiser tomar parte ativa no trabalho de nossa igreja, ninguém terá nada a dizer.' Ninguém pode me forçar, mas se Jesus Cristo me disser: 'Vá!' e eu disser: 'Prefiro não'. Jesus Cristo e eu temos que acertar as contas, o que deveria causar temor e tremor. E se o princípio da obediência cristã é um coração disposto, então o dever do cristão é garantir que o coração esteja disposto.
Uma obrigação rigorosa, de não nos deixarmos abater por nenhuma das desculpas que apresentamos, é imposta a todos nós. Desculpas são inúteis. Há muita nesta geração que tende a esfriar o espírito missionário. Sabemos mais sobre o mundo pagão do que da vida missionária. Assumimos, muitos de nós, ideias mais brandas e misericordiosas sobre a condição daqueles que morrem sem conhecer o nome de Jesus Cristo. E todas essas razões minam um a força e esfriam o fervor de muitos cristãos hoje em dia. O mandamento de Jesus Cristo permanece exatamente como era. Que ninguém se engane.
Então alguns de nós dizem: 'Prefiro trabalhar em casa!' Bem, se você está fazendo tudo o que pode e realmente se dedica com entusiasmo a uma fase do serviço cristão, o grande princípio da divisão do trabalho surge para garantir que você não entre em outros campos que outros cultivam. Mas, a menos que você esteja investindo todas as suas energias no trabalho que diz preferir, não há razão para que você não faça nada na outra direção. Jesus Cristo ainda diz: 'Ide por todo o mundo'.
Então alguns de vocês dizem: 'Bem, eu não acredito muito em suas sociedades missionárias. Há muito desperdício de dinheiro com eles. Há uma série de coisas que aprovo. Tenho ouvido histórias sobre missionários que são muito ociosos, recebem bom salário e trabalham muito pouco.' Bem, que seja! Muito provavelmente isso é parcialmente verdade; embora eu desconheça que missionários em terras estrangeiras desfrutem de vida luxuosa. Imagino que muitos deles, se andassem pelas ruas de uma cidade inglesa, teriam relatos diferentes, como quando andam pelas ruas de uma cidade indiana. Mas seja como for, será que essa acusação passa uma borracha no mandamento de Jesus Cristo? Certamente não! Cristo ainda diz: 'Ide por todo o mundo!'
Às vezes, atrevo-me a pensar que chegará o dia em que a condição de ser recebido e retido da comunhão de uma igreja cristã será a obediência a esse mandamento. Ora, até as abelhas têm o bom senso, em determinada época do ano, de expulsar os zangões das colmeias e matá-los com ferroadas. Não recomendo a última parte do processo, mas tenho a certeza de que seria um benefício para todos nós, tanto para os expulsos como para os retidos, que nos livrássemos desse peso adicional que obstrui todas as comunidades organizadas, nesta e em outras terras – o peso morto dos preguiçosos que dizem ser discípulos de Cristo. Quer seja uma condição de membro da igreja ou não, estou certo de que é uma condição de comunhão com Jesus Cristo, e uma condição, portanto, de saúde na vida cristã, que deve ser uma vida de obediência ativa a este claro comando imperativo, permanente e universal da Grande Comissão.
II. Em segundo lugar, uma palavra sobre a penalidade do silêncio.
'Ai de mim se não pregar o Evangelho.' Deixe-me apontar, em uma ou duas palavras, as penalidades claras do silêncio hoje, e as terríveis penalidades do silêncio no futuro.
'Ai de mim se não pregar o Evangelho.' Se você é um professor mudo e ocioso da verdade de Cristo, acredite, sua ociosidade muda lhe roubará muita comunhão com Jesus Cristo. Há muitos cristãos que seriam muito mais felizes, mais alegres e mais seguros se falassem sobre Cristo para outras pessoas. Por terem trancafiado a palavra de Deus em seus corações, ela se dissipa sem ser conhecida, e eles perdem mais do imaginam, perdem a doçura, a alegria e confiança garantidas como promessas. Se você quer ser um cristão feliz, trabalhe para Jesus Cristo. Não estabeleço isso como algo específico por si só. Há outras coisas a serem consideradas em conjunto com isso, mas ainda assim permanece verdade que a desgraça de um cristianismo lânguido se aplica aos homens que, sendo cristãos professos, ficam calados quando deveriam falar e ociosos quando deveriam trabalhar.
Há, ainda, a desgraça de uma vida egocêntrica. E há, ainda, a desgraça da perda de uma das melhores maneiras de confirmar a própria fé na verdade, a de procurar transmiti-la a outros. Se você quer aprender alguma coisa, ensine. Se você quiser compreender os princípios de qualquer ciência, tente explicá-la a alguém que não a entenda. Se você quer saber onde, nestes dias de disputas e controvérsias, está o verdadeiro e vital Evangelho, e qual é a parte essencial da revelação de Deus, vá e conte aos homens pecadores sobre Jesus Cristo que morreu por eles; e você descobrirá que é a Cruz, e Aquele que morreu nela, que é o poder que pode mover o coração dos homens. E assim você se apegará com mais força, em dias de dificuldade e inquietação, àquilo que é capaz de trazer luz às trevas. Ah, irmãos! Não há maior alegria acessível a um homem do que sentir que através das suas pobres palavras Cristo entrou no coração de um irmão. E vocês não devem jogar fora tudo isso porque fecharam a boca e negligenciaram o claro mandamento do seu Senhor.
Sim! Mas isso não é tudo. Há um futuro a ser levado em conta, e penso que os cristãos percebem muito pouco esta verdade solene. Se um homem guardou os mandamentos de seu Mestre ou os negligenciou, acredito que, embora uma fé muito imperfeita salve um homem, existe algo como ser “salvo como se fosse pelo fogo”, e que também existe algo como ter um ministério abundante e produtivo para o Reino. Aquele cuja vida foi influenciada pelos princípios cristãos, e que negligenciou deveres claros e imperativos, não permanecerá no mesmo nível de bem-aventurança que o homem que se entregou mais completamente na vida ao poder constrangedor do amor de Cristo, e procurou guardar todos os Seus mandamentos.
O céu não é um nível morto. Cada homem ali receberá tanta bem-aventurança quanto a graça é capaz de dar, mas as recompensas variarão, e o principal fator que determina a bem-aventurança, será o rigor da obediência a todas as ordenanças de Cristo no decorrer da vida na terra. Embora saibamos, e portanto ousemos dizer, pouco sobre se fala quanto ao futuro (Ap 22.12), peço-lhe que leve isso a sério. Com certa liberdade poética podemos dizer, alguns dirão na presença gloriosa de Deus: "Eis-me aqui, eu e nossos irmãos, filhos eleitos de Deus, que trouxe comigo, que pela graça sejam concedidas coroas brilhantes; o galardão da graça", enquanto outros se salvaram pela mesma graça e não trouxeram ninguém com eles. O elemento principal é a obediência ao mandamento que os torna apóstolos e missionários do seu Senhor. -- [Que seja estabelecido que as nossas obras são, de fato, recompensadas. A Escritura ensina isso em mais de um lugar -- por exemplo, Mt. 5:12; 6:4, 6, 18; 10:41; 16:27; Lucas 6:23, 35; 1Co. 3:8; 2Co. 5:10; Hb. 11:6 --. Um incentivo para praticar boas obras enquanto estamos aqui na Terra é o galardão que receberemos na glória.]
III. Por último, observe a alegre obediência que transcende os limites da obrigação.
‘Se eu fizer isso de boa vontade, terei uma recompensa.’ Paulo desejava trazer um pouco mais do que o necessário, em sinal de seu amor ao seu Mestre e de sua grata aceitação do dever. O artista que ama seu trabalho colocará mais trabalho em seu quadro do que é absolutamente necessário, e se demorará nele, esbanjando-lhe diligência e cuidado, porque está apaixonado por sua tarefa. O servo que procura fazer o mínimo que pode não é movido por motivos elevados. O comerciante que mal coloca na balança o peso suficiente para equilibrar o peso do outro é relutante em suas negociações; mas aquele que, com mão liberal, dá "uma boa medida, calcada, sacudida e transbordante" (Lc 6.38), dá porque se deleita em dar. -- [A árvore é conhecida pelos seus frutos; que a palavra de Cristo seja tão enxertada em nossos corações que possamos ser frutíferos em toda boa palavra e obra].
E assim é na vida cristã. Há muitos de nós cuja pergunta parece ser: 'Com quão pouco posso me safar? Quanto posso reter?' - muitos de nós cujo esforço é descobrir até que ponto o mundo é consistente com a profissão do Cristianismo e encontrar o mínimo de esforço, de amor, de serviço, de dons que possam nos libertar da obrigação.
E o que isso significa? Isso significa que somos escravos ingratos. Isso significa que, se ousássemos, não daríamos nada e não faríamos nada. E o que isso significa? Significa que não nos importamos com o Senhor e não temos alegria no nosso trabalho. E o que isso significa? Significa que o nosso trabalho não merece elogios e não receberá recompensa. Se amamos a Cristo, estaremos ansiosos, se for possível, em fazer mais do que Ele nos ordena, em sinal de nossa lealdade ao Rei e de nosso prazer no serviço. É claro que, na visão mais elevada, nada pode ser menos do que o necessário. É claro que Ele tem direito a todo o nosso trabalho; mas ainda assim existem alturas de consagração cristã e auto-sacrifício que um homem pela graça não será culpado se não tiver escalado, e será elogiado se o tiver feito. O que queremos, se assim posso dizer, é abundância de serviço. Judas pode dizer: 'Para que serve esse desperdício?' Mas Jesus dirá: Deus Pai 'fez uma boa obra em Mim', e a fragrância do unguento terá um cheiro doce através dos séculos.
Portanto, queridos irmãos, o resultado de tudo isso é: não façamos nosso trabalho cristão com relutância, caso contrário, será apenas um trabalho de escravo ingrato, e não há nenhuma bênção neste tipo de trabalho com má vontade, e nenhuma recompensa nos virá disso. Não perguntemos: 'Quão pouco posso fazer?' Mas 'Quanto posso fazer?' Assim, não ofereceremos em holocausto ao Senhor aquilo que não nos custa nada. Por sua parte, Ele deu a maravilhosa graça como sinal de Seu amor. A mordomia é um sinal de que Ele confia em nós, o dever é uma honra, o fardo é uma graça, leve, não pesado. De nossa parte, busquemos a alegria do serviço que não se contenta com a mera quantia do tributo que é exigido, mas dá algo a mais, o melhor possível, por causa do nosso amor a Ele. Aqueles que assim dão a Jesus Cristo todo o seu amor, esforço e serviço, receberão tudo de volta cem vezes mais, pois o Mestre não ficará em dívida com nenhum de Seus servos, e Ele diz a todos eles: 'Eu pagarei isso, porém eu não te digo como tu me deves.' -- Eu, Paulo, de minha própria mão o escrevi; eu o pagarei, para te não dizer que ainda mesmo a ti próprio a mim te deves. (Filemom 1:19). -- Em outras palavras: "Pagarei tudo, não se preocupe, e não preciso fazer com que você lembre que me deve a sua própria vida. -- Somos todos devedores.
FRASES PROTESTANTES
Texto original: https://biblehub.com/sermons/auth/maclaren/the_sin_of_silence.htm