11.2.17

A REFORMA PROTESTANTE E TRABALHAR NO MCDONALDS


A REFORMA PROTESTANTE E TRABALHAR NO MCDONALDS

Sobre a relação do trabalho com o conhecimento cristão ou com a ética cristã tem muita coisa já falada. Há muitos estudos sobre a Reforma Protestante e o trabalho, a vocação e o trabalho, o trabalho e domínio e outras correlações teológicas.

No texto A Reforma e o Trabalho escrito pelo Rev. Hermisten Maia diz algo extremamente relevante: “Na ética do trabalho, Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564) estavam acordes quanto à responsabilidade do homem de cumprir a sua vocação através do trabalho. Não há lugar para ociosidade. Com isto, não se quer dizer que o homem deva ser um ativista, mas sim, que o trabalho é uma "bênção de Deus". Lutero teve uma influência decisiva, quando traduziu para o alemão o Novo Testamento (1522), empregando a palavra "beruf" para trabalho, em lugar de "arbeit". "Beruf", acentua mais o aspecto da vocação do que o do trabalho propriamente dito. As traduções posteriores, inglesas e francesas, tenderam a seguir o exemplo de Lutero. A ideia que se fortaleceu, é a de que o trabalho é uma vocação divina. Calvino, diz: “Se seguirmos fielmente nosso chamamento divino, receberemos o consolo de saber que não há trabalho insignificante ou nojento que não seja verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus.””

No texto a seguir, de fato há uma rotulação negativa forte sobre o trabalhar no McDonald's, como sendo um subemprego, mas será que é assim mesmo? Tire suas próprias conclusões no texto (na íntegra).

Confira o texto de Kate Norquay:

O que aprendi em 4 anos de trabalho no McDonald’s

Dos 18 aos 22 anos de idade, eu trabalhei no McDonald’s. Inicialmente fui contratada para jornada parcial, e depois, para tempo integral. Porém, durante aqueles quatro anos, eu não deixei de tentar encontrar um emprego de mais prestígio. Durante este tempo, não fui promovida, não me tornei gerente, enfim, não conquistei absolutamente nada.

De forma geral, posso ser considerada a típica funcionária do McDonald´s: preguiçosa, boba, sem iniciativa.

Durante aqueles anos, pude sentir como as pessoas tratam os funcionários do McDonald’s. Lembro-me do sorriso orgulhoso dos meus pais quando eu disse que havia sido contratada em uma empresa. E lembro-me da rapidez com a qual o sorriso deles sumiu quando eu disse do que se tratava. E a reação dos meus conhecidos era mais ou menos assim: “Você ainda trabalha no McDonald’s? Ah não, eu nunca poderia trabalhar em um lugar assim“. Ou as piadas com o meu trabalho: ”Só não me diga que não poderá ir porque precisa trabalhar" (segundo eles, meu emprego era irrelevante e pouco sério).

Tudo isso influenciava na minha percepção do trabalho. Eu o via como ruim: eu era lenta, desajeitada, sensível, me comportava como uma vítima da situação. Tinha a certeza de que era boa demais para aquele emprego e dizia a todo mundo: "Sim, este trabalho é um lixo. Mas, diabos, eu preciso de dinheiro!". Dava-me conta de que eu, uma estudante que pertencia à elite intelectual, não estava, por natureza, destinada a um trabalho braçal.

Nem ao menos tentei me esforçar. Não tentei conquistar algo naquele emprego. E, principalmente, nem mesmo queria conquistar algo. Para que iria gastar minhas habilidades em algo que não é digno de mim?

Porém, depois de alguns anos minha atitude com o trabalho começou a mudar. Comecei a sentir orgulho do meu trabalho.

Me perguntei: qual a diferença entre o McDonald’s e qualquer outro lugar para começar uma carreira? Por que meu trabalho é considerado mais miserável que os outros?

Será porque trabalho para uma grande corporação? Não, porque se fosse assim, trabalhar no Starbucks ou no Subway também seria considerado vergonhoso.

Ou será porque a empresa não é ética? Mas redes como a Zara também escravizam seus empregados. Será porque eu trabalho em uma rede de fast food? Mas até mesmo trabalhar em redes de fast food tem lá o seu charme.

Será porque não é um trabalho intelectual? Não, porque um trabalho com vendas é considerado totalmente decente.

E então eu me dei conta.

O McDonald’s é considerado pela sociedade como um lugar onde trabalham pessoas incapazes de conseguir algo melhor. Percebi que a maioria das outras empresas de mesmo nível não contrata pessoas parecidas com os meus colegas.

Tínhamos funcionárias com capacidades limitadas, com problemas na fala, gente com sobrepeso, pouco atraentes, interioranas e os que chegavam à cidade vindos de outras partes do país. Todas essas pessoas eram a base da equipe. Eram considerados bons empregados.

No entanto, sempre que via trabalhadores do Starbucks, por exemplo, via gente parecida comigo: estudantes educados, em forma, fisicamente atraentes, que sabiam falar bem. Estes são os estereótipos. E eu reúno todos os requisitos para um emprego de mais prestígio: numa boa loja de roupas, em numa cafeteria famosa. As pessoas de ’classe’, segundo a tradição, não terminam em um McDonald’s ao lado dos fracassados.

Se você tem 20 anos e mora em uma grande cidade, seus amigos vão rir caso você trabalhe no McDonald’s. Porém, não acho que o mesmo se aplica para pessoas com deficiência, ou imigrantes de meia idade, por exemplo. Seus amigos não riem deles, não perguntam constantemente: "quando você pensa em arrumar um emprego normal?", porque não se espera mais deles.

E sim, comer hambúrguer engorda. Porém, as pessoas próximas a mim tinham pena não porque eu fritava hambúrgueres, mas porque acreditavam que eu tinha mais classe do que o típico empregado deste estabelecimento. Que eu merecia um ’bom’ trabalho. Que este era o meu direito por haver nascido numa classe mais alta.

Pensei muito sobre isso enquanto fritava batatas e hambúrgueres. Dia após dia. E me dei conta: não sou melhor.

Claro, tenho minhas habilidades, e até talento para algo especial. Não tenho músculos, percebo que não estou apta para um trabalho braçal. Sempre soube que iria me dedicar a um trabalho mental. No entanto, isso não quer dizer que eu seja mais qualificada ou valha mais que os meus companheiros.


Existem diferentes tipos de trabalho, e por que alguém que vive do dinheiro do papai e pensa igual à mamãe, que nunca trabalhou um dia sequer na vida, se acha no direito de dizer qual emprego é bom e qual é ruim e inútil?

Sim, eu não me esforço tanto quanto alguns dos meus amigos que trabalham 20 horas por dia para que nenhum cliente fique sem sua porção de batata frita.

Não sou tão inteligente quanto nossa gerente formada em Engenharia que aprendeu como construir nossas instalações de uma forma que nós não precisássemos lidar com falhas repentinas e ficar esperando que alguém consertasse.

Não sou tão organizada quanto aqueles que analisam e organizam os componentes para milhares de clientes para a semana inteira, sabendo que, se não obtiverem sucesso, terão problemas mais sérios do que uma simples advertência do chefe.

Não sou suficientemente paciente para ter calma com clientes escandalosos e grosseiros, que podem ofender e gritar com um empregado só porque falta ketchup.

Estas são as verdadeiras aptidões.

Se você se considera melhor do que essas pessoas só porque você trabalha com vendas ou com papéis em um escritório, você tem um problema.

Para mim, os 4 anos que passei no McDonald’s tiveram muito valor. É claro que eu nunca mais quero trabalhar fritando batata e hambúrguer, mas entendi ali algo importante. Deixei de ser orgulhosa como era. Deixei de julgar as pessoas pela aparência física, origem ou status social. Me tornei mais compassiva.

E se você acha que eu escrevi isto para me justificar por me sentir incômoda com o meu passado, você está errado.

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Autora: Kate Norquay
Tradução e adaptação: Genial.guru