A REFORMA PROTESTANTE E TRABALHAR NO MCDONALDS
Sobre a relação do trabalho com o conhecimento cristão ou
com a ética cristã tem muita coisa já falada. Há muitos estudos sobre a Reforma
Protestante e o trabalho, a vocação e o trabalho, o trabalho e domínio e outras
correlações teológicas.
No texto A Reforma e o Trabalho escrito pelo Rev. Hermisten
Maia diz algo extremamente relevante: “Na ética do trabalho, Lutero (1483-1546)
e Calvino (1509-1564) estavam acordes quanto à responsabilidade do homem de
cumprir a sua vocação através do trabalho. Não há lugar para ociosidade. Com
isto, não se quer dizer que o homem deva ser um ativista, mas sim, que o
trabalho é uma "bênção de Deus". Lutero teve uma influência decisiva,
quando traduziu para o alemão o Novo Testamento (1522), empregando a palavra
"beruf" para trabalho, em lugar de "arbeit".
"Beruf", acentua mais o aspecto da vocação do que o do trabalho
propriamente dito. As traduções posteriores, inglesas e francesas, tenderam a
seguir o exemplo de Lutero. A ideia que se fortaleceu, é a de que o trabalho é
uma vocação divina. Calvino, diz: “Se seguirmos fielmente nosso chamamento
divino, receberemos o consolo de saber que não há trabalho insignificante ou
nojento que não seja verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de
Deus.””
No texto a seguir, de fato há uma rotulação negativa forte
sobre o trabalhar no McDonald's, como sendo um subemprego, mas será que é assim
mesmo? Tire suas próprias conclusões no texto (na íntegra).
Confira o texto de Kate Norquay:
O que aprendi em 4 anos de trabalho no McDonald’s
Dos 18 aos 22 anos de idade, eu trabalhei no McDonald’s.
Inicialmente fui contratada para jornada parcial, e depois, para tempo
integral. Porém, durante aqueles quatro anos, eu não deixei de tentar encontrar
um emprego de mais prestígio. Durante este tempo, não fui promovida, não me
tornei gerente, enfim, não conquistei absolutamente nada.
De forma geral, posso ser considerada a típica funcionária
do McDonald´s: preguiçosa, boba, sem iniciativa.
Durante aqueles anos, pude sentir como as pessoas tratam os
funcionários do McDonald’s. Lembro-me do sorriso orgulhoso dos meus pais quando
eu disse que havia sido contratada em uma empresa. E lembro-me da rapidez com a
qual o sorriso deles sumiu quando eu disse do que se tratava. E a reação dos
meus conhecidos era mais ou menos assim: “Você ainda trabalha no McDonald’s? Ah
não, eu nunca poderia trabalhar em um lugar assim“. Ou as piadas com o meu
trabalho: ”Só não me diga que não poderá ir porque precisa trabalhar"
(segundo eles, meu emprego era irrelevante e pouco sério).
Tudo isso influenciava na minha percepção do trabalho. Eu o
via como ruim: eu era lenta, desajeitada, sensível, me comportava como uma
vítima da situação. Tinha a certeza de que era boa demais para aquele emprego e
dizia a todo mundo: "Sim, este trabalho é um lixo. Mas, diabos, eu preciso
de dinheiro!". Dava-me conta de que eu, uma estudante que pertencia à
elite intelectual, não estava, por natureza, destinada a um trabalho braçal.
Nem ao menos tentei me esforçar. Não tentei conquistar algo
naquele emprego. E, principalmente, nem mesmo queria conquistar algo. Para que
iria gastar minhas habilidades em algo que não é digno de mim?
Porém, depois de alguns anos minha atitude com o trabalho
começou a mudar. Comecei a sentir orgulho do meu trabalho.
Me perguntei: qual a diferença entre o McDonald’s e qualquer
outro lugar para começar uma carreira? Por que meu trabalho é considerado mais
miserável que os outros?
Será porque trabalho para uma grande corporação? Não, porque
se fosse assim, trabalhar no Starbucks ou no Subway também seria considerado
vergonhoso.
Ou será porque a empresa não é ética? Mas redes como a Zara
também escravizam seus empregados. Será porque eu trabalho em uma rede de fast
food? Mas até mesmo trabalhar em redes de fast food tem lá o seu charme.
Será porque não é um trabalho intelectual? Não, porque um
trabalho com vendas é considerado totalmente decente.
E então eu me dei conta.
O McDonald’s é considerado pela sociedade como um lugar onde
trabalham pessoas incapazes de conseguir algo melhor. Percebi que a maioria das
outras empresas de mesmo nível não contrata pessoas parecidas com os meus colegas.
Tínhamos funcionárias com capacidades limitadas, com
problemas na fala, gente com sobrepeso, pouco atraentes, interioranas e os que
chegavam à cidade vindos de outras partes do país. Todas essas pessoas eram a
base da equipe. Eram considerados bons empregados.
No entanto, sempre que via trabalhadores do Starbucks, por
exemplo, via gente parecida comigo: estudantes educados, em forma, fisicamente
atraentes, que sabiam falar bem. Estes são os estereótipos. E eu reúno todos os
requisitos para um emprego de mais prestígio: numa boa loja de roupas, em numa
cafeteria famosa. As pessoas de ’classe’, segundo a tradição, não terminam em
um McDonald’s ao lado dos fracassados.
Se você tem 20 anos e mora em uma grande cidade, seus amigos
vão rir caso você trabalhe no McDonald’s. Porém, não acho que o mesmo se aplica
para pessoas com deficiência, ou imigrantes de meia idade, por exemplo. Seus
amigos não riem deles, não perguntam constantemente: "quando você pensa em
arrumar um emprego normal?", porque não se espera mais deles.
E sim, comer hambúrguer engorda. Porém, as pessoas próximas
a mim tinham pena não porque eu fritava hambúrgueres, mas porque acreditavam
que eu tinha mais classe do que o típico empregado deste estabelecimento. Que
eu merecia um ’bom’ trabalho. Que este era o meu direito por haver nascido numa
classe mais alta.
Pensei muito sobre isso enquanto fritava batatas e
hambúrgueres. Dia após dia. E me dei conta: não sou melhor.
Claro, tenho minhas habilidades, e até talento para algo
especial. Não tenho músculos, percebo que não estou apta para um trabalho
braçal. Sempre soube que iria me dedicar a um trabalho mental. No entanto, isso
não quer dizer que eu seja mais qualificada ou valha mais que os meus
companheiros.
Existem diferentes tipos de trabalho, e por que alguém que
vive do dinheiro do papai e pensa igual à mamãe, que nunca trabalhou um dia
sequer na vida, se acha no direito de dizer qual emprego é bom e qual é ruim e
inútil?
Sim, eu não me esforço tanto quanto alguns dos meus amigos
que trabalham 20 horas por dia para que nenhum cliente fique sem sua porção de
batata frita.
Não sou tão inteligente quanto nossa gerente formada em
Engenharia que aprendeu como construir nossas instalações de uma forma que nós
não precisássemos lidar com falhas repentinas e ficar esperando que alguém
consertasse.
Não sou tão organizada quanto aqueles que analisam e
organizam os componentes para milhares de clientes para a semana inteira,
sabendo que, se não obtiverem sucesso, terão problemas mais sérios do que uma
simples advertência do chefe.
Não sou suficientemente paciente para ter calma com clientes
escandalosos e grosseiros, que podem ofender e gritar com um empregado só
porque falta ketchup.
Estas são as verdadeiras aptidões.
Se você se considera melhor do que essas pessoas só porque
você trabalha com vendas ou com papéis em um escritório, você tem um problema.
Para mim, os 4 anos que passei no McDonald’s tiveram muito
valor. É claro que eu nunca mais quero trabalhar fritando batata e hambúrguer,
mas entendi ali algo importante. Deixei de ser orgulhosa como era. Deixei de
julgar as pessoas pela aparência física, origem ou status social. Me tornei
mais compassiva.
E se você acha que eu escrevi isto para me justificar por me
sentir incômoda com o meu passado, você está errado.
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Autora: Kate Norquay
Tradução e adaptação: Genial.guru